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Há um ano, entre os dias 20 e 21 de novembro de 2021, as comunidades do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, viveram um dos momentos mais violentos de sua história. Nove pessoas morreram em confrontos durante seguidas operações Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) na região. Entre as vítimas estava um sargento da PM além de suspeitos de tráfico de drogas.
Passados 365 dias, ainda não foram apuradas responsabilidades sobre as mortes. O especialista em segurança pública Doriam Borges, da UERJ, afirmou que houve violação clara aos direitos humanos. O Ministério Público Estadual (MPRJ) confirmou que ainda não houve nenhum indiciamento. A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá (DHNSG) não se manifestou.
Violência de estado
Para Doriam Borges, que é membro do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da UERJ, a demora em se definir responsabilidades pelas mortes configura violência de estado. O especialista defendeu que sejam feitas mudanças no Sistema de Justiça Criminal a fim de que se haja celeridade em apurações do tipo.
"O fato de o MP ainda não ter definido responsabilidades, reforça a ideia de violência de Estado. Ou seja, como as instituições do Estado atuam em casos como este. As polícias agem de forma violenta, o Ministério Público não executa a sua função de controle externo junto a polícia e os casos de letalidade policial são transformados em inquéritos com poeira deixados por longos períodos sem investimento. Este caso mostra que o Sistema de Justiça Criminal ainda precisa de muitas mudanças, disse.
O professor prossegue sua análise frisando que houve clara violação de direitos humanos durante as operações policiais realizadas naquele final de semana. Doriam Borges voltou a cobrar agilidade do Ministério Público no trabalho de apuração. O especialista completa afirmando que a demora em se definir responsabilidades põe em risco a vida dos moradores de comunidades, especialmente a população preta.
"A operação policial em 2021 foi uma violação clara de direitos humanos e direito à vida. Precisamos questionar a forma de atuação do MP neste tipo de inquérito, sobretudo considerando o seu mandato constitucional de controle externo da atividade policial. Esses casos precisam ser investigados, denunciados e julgados com rapidez e eficiência. Não é possível que os gargalos institucionais ponham em risco a vida da população, principalmente a negra e moradora de favelas", complementou.
Silêncio da Delegacia de Homicídios
A cidade de São Gonçalo possui uma delegacia especializada apenas em investigar homicídios: a DHNSG. Logo após o crime, foi aberto um inquérito para apurar as mortes ocorridas naquele final de semana. Entretanto, até hoje, não houve avanços significativos. A reportagem questionou à especializada sobre o caso, mas, até o fechamento desta reportagem, não houve resposta. Também foi feita tentativa de contato telefônico com o delegado titular, Pablo Valentim, que não atendeu às ligações.
Investigação em tramitação no MPRJ
De acordo com o MPRJ, ainda tramita na 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada do núcleo Niterói-São Gonçalo, Procedimento de Investigação Criminal (PIC) para apurar as circunstâncias e eventuais irregularidades e ilegalidades nas operações policiais ocorridas no complexo do Salgueiro entre os dias 20 e 21 de novembro de 2021.
O MPRJ também pontuou que, em paralelo, prosseguem as investigações na Delegacia de Homicídio de Niterói e São Gonçalo. Segundo o órgão, nesta fase de investigação, pendem diligências imprescindíveis, tanto no âmbito do PIC, quanto no inquérito policial, não havendo, ainda, indiciados. Por fim, o MPRJ informou que, diante da natureza sigilosa do caso, não é possível, no momento, fornecer outras informações nem adiantar os próximos passos das investigações.
Momentos de terror
A série de operações da PM naquele final de semana foi iniciada no dia 20, quando o 2º Sargento da PM Leandro Rumbelsperger da Silva, de 40 anos, foi morto em uma ação para combater um baile funk ilegal. Ele deixou esposa e dois filhos. No dia seguinte, uma idosa de 71 anos foi baleada durante um confronto entre PMs e criminosos. identificada como Carmelita Francisca de Oliveira, ela foi socorrida por vizinhos e levada para o Hospital Estadual Alberto Torres, no bairro Colubandê, recebendo alta em seguida.
No final da noite do dia 21, moradores denunciaram que havia uma série de corpos em uma área de mangue. Familiares das vítimas iniciaram o resgate, que durou até a manhã do dia seguinte, quando equipes do Corpo de Bombeiros chegaram ao local. Ao todo, oito cadáveres foram resgatados. De acordo com informações da Polícia Civil divulgadas à época, pelo menos cinco deles teriam envolvimento com o tráfico de drogas.
De acordo com a Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro, foram mortos Carlos Eduardo Curado de Almeida, Ítalo George Barbosa de Souza Gouvêa Rossi, Élio da Silva Araújo, Rafael Menezes Alves, David Wilson Oliveira Antunes, Kauã Brenner Gonçalves Miranda, Jhonata Klando Pacheco e Douglas Vinícius Medeiros de Souza.
Diligências
Após o crime, várias diligências foram realizadas. Primeiro, dois dias após as operações, a Polícia Militar entregou à DHNSG a lista de policiais envolvidos e as armas usadas por eles. Em dezembro de 2021, o MPRJ realizou a reprodução simulada, que é mais conhecida como reconstituição. Por fim, em 8 de agosto deste ano, PMs do Bope, que participaram da ação, foram novamente intimados a comparecer à DHNSG para prestar depoimento.
A reportagem procurou a Polícia Militar e perguntou que ações foram tomadas em relação aos PMs que participaram da ação, mas a corporação não respondeu.