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Meio considerado importante para se prevenir contra doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez precoce de crianças e adolescentes, a educação sexual em escolas ainda é um tema tabu, na sociedade brasileira. Lideranças políticas e religiosas, que se opõem a esta modalidade pedagógica, apontam que a matéria teria potencial de “sexualizar precocemente” ou, até mesmo, estimular à troca de sexo.
O assunto é alvo de preconceitos, desde que se iniciou a educação no país. Isso porque se instalou, aqui, a “pedagogia da vigilância”. É no que acredita a sexóloga, terapeuta e educadora sexual, Marianna Kiss. Ela observa que, historicamente, os jesuítas controlavam os indígenas, com as “suas vergonhas à mostra”. Depois, esse controle se deu com as crianças, sob a “finalidade higienista”.
Para a especialista, no Brasil, confunde-se educação sexual - que se refere à sexualidade - com “educação em sexo”. Marianna avalia que a matéria é necessária para informar e proteger as crianças e adolescentes: “não o contrário”.
“A educação sexual começou no século 20, mas foi para o controle da masturbação, das infecções sexualmente transmissíveis (na época, chamadas de doenças venéreas) e da prostituição, mesmo se afirmando que crianças não têm interesse sexual. Educadores sexuais não ensinam sexo. Os temas referentes à sexualidade são muito abrangentes: corpo como matriz da personalidade; anatomia dos órgãos reprodutores; diferenças entre os sexos feminino e masculino; afetividade; aceitação corporal e autoestima; prevenção à gravidez precoce (ou indesejada); direitos sexuais e prevenção às violências sexuais”, enumera.
Fato é que o tema vem ganhando relevância no país. Ainda de acordo com Marianna, o Plano Nacional de Educação, no decênio compreendido entre 2010 e 2020, não foi cumprido no prazo porque “opositores introduziram a temática da ideologia de gênero”, que, segundo ela “não existe na lei”.
“A legislação é voltada à superação das desigualdades educacionais. Dá ênfase à ‘promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual’. Mas a igualdade de gênero se refere à igualdade entre homens e mulheres. O termo ‘orientação sexual’ se refere à educação sexual e não sobre o direcionamento sexo/afetivo”, esclarece.
Desmistificação
Marianna observa ainda a existência de “temas integradores”, que dizem respeito a questões que atravessam as experiências dos sujeitos, em seus contextos de vida, contemplando aspectos que vão além da “dimensão cognitiva”, dando conta da formação política, ética e identitária dos estudantes.
“O tema orientação sexual ou sexualidade desaparece da lista dos temas integradores; mas sempre pôde ser abordada no tópico ‘Direitos Humanos’. Ao se ensinar educação sexual para crianças e adolescentes, não apenas se previne a gravidez indesejada: também trabalhamos a defesa contra violências sexuais (abuso sexual, estupro e exploração sexual); o cyberbullying; o grooming (quando um adulto finge ser um adolescente para abusar ou prostituir a vítima) e o sexting (troca de mensagens íntimas e de nudez). Além de tratar temas como afetividade, empatia e autoestima”, conclui Marianna.
Argumentos contrários
No artigo “Educação sexual – prós e contras”, a mestre em Educação e professora-adjunta do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, Tereza Cristina Pereira Carvalho Fagundes aponta pontos desfavoráveis ao ensino de educação sexual nas escolas. Ela alerta sobre “professores despreparados, imaturos ou, até mesmo, problemáticos”.
“Temos, por um lado, o progresso da Ciência em todas as suas especialidades, consistindo em dificuldade para o professor, ao tentar sanar as dúvidas levantadas por seus alunos. Por outro lado, temos as verdades implícitas e explícitas, com o agravante da repressão sexual a que professores e pais foram e são submetidos, fazendo com que eles se contraponham ao esperado pelos alunos”, informa o texto.
Ainda segundo o documento, uma possível abjeção ao ensino daquela temática é a “inadequação de programação, de conteúdos e de abordagens”.
“Não se pode reduzir a sexualidade à mera genitalidade; as chamadas ‘aulas de sexo’ podem até transformar a orientação em estímulo a práticas sexuais e não alcançam assim os verdadeiros objetivos de uma educação para a sexualidade”, orienta.
Escolas
Questionada sobre como se dá o trabalho de educação sexual na rede pública, a Prefeitura de São Gonçalo disse que a Secretaria Municipal de Educação promove atividades ligadas ao tema, que “faz parte da grade curricular da rede municipal de ensino, com auxílio de agentes do Programa Saúde na Escola”.
“Cada unidade de ensino tem autonomia para trabalhar o tema, por meio de palestras, aulas específicas e outras atividades, que sejam pertinentes. O papel do orientador educacional é fundamental, também, para garantir toda a articulação dentro da escola, no sentido de orientar os alunos, de acordo com cada faixa etária”, ressalta.
A Secretaria Municipal de Educação de Niterói, por meio da Coordenação de Educação na Diferença, disse, em nota, que realiza periodicamente o projeto "Bora Conversar? O assunto é: gravidez e menstruação! Você sabia que não é só coisa de menina?".
A programação é feita em parceria com as diretorias de terceiro e quarto ciclos, com ações que envolvem temas relacionados aos “componentes curriculares e aspectos importantes, no desenvolvimento humano”.
“O objetivo do ‘Bora Conversar’ é promover debates sobre a gravidez na adolescência e os impactos na vida dos jovens, nas mudanças dos corpos feminino e masculino, na puberdade. Outros assuntos discutidos são os cuidados corretos para a manutenção de saúde íntima, tanto das meninas, quanto dos meninos, saúde feminina e o processo menstrual”, esclarece o texto.
Outras prefeituras da região Leste Fluminense – Rio Bonito, Itaboraí e Maricá -, além da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, também foram procuradas para comentar sobre o tema. Até o fechamento desta edição, não responderam à reportagem.
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