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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a proposta normativa que determina que os cartórios realizem a correção dos certificados de óbitos dos 11 jovens desaparecidos na chamada Chacina de Acari, ocorrida em 1990, no Rio de Janeiro. A partir de agora, os documentos devem constar como causa da morte “não natural, violenta, causada por agente do Estado brasileiro”.
A decisão foi aprovada nesta terça-feira (16), durante a 12ª Sessão Ordinária. A medida atende à determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no Caso Leite de Souza Vs Brasil, que reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro por graves violações cometidas na investigação do caso. A sessão contou com a presença de irmãs, irmãos, filhos, tio, mães e pais dos jovens desaparecidos.
Com o ato normativo, as certidões de óbito deverão conter como causa da morte “não natural, violenta, causada por agente do Estado brasileiro no contexto do desaparecimento forçado das vítimas da Chacina de Acari”. Além disso, o local do crime deverá constar como “Magé”; a anotação remissiva à sentença da CIDH e à Lei Estadual nº 9.753/2022, que prevê reparação financeira às famílias; e que sejam gratuitos com ressarcimento aos registradores por meio de fundos próprios, evitando custos adicionais às famílias.
“Trata-se de medida necessária ao amadurecimento de uma Justiça que valoriza a memória, a verdade e a reparação das graves violações de direitos humanos”, disse o relator do voto, ministro Mauro Campbell Marques, corregedor nacional de Justiça.
O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, pediu desculpas, em nome do Estado brasileiro às vítimas dessa violência e afirmou que “esse é um momento simbólico muito importante, e lamenta que não tenha sido possível evitá-la, nem a reparar inteiramente”.
A certidão de óbito com os dados corretos permitirá aos familiares conseguirem acessar a indenização prevista por lei. A norma do CNJ também permite que os familiares não precisem entrar com ações judiciais para obter ou corrigir os registros. Com a decisão, os familiares não precisarão ingressar com ações judiciais individuais para obter os documentos.
A Lei Estadual nº 9.753/2022 foi sancionada três décadas depois do crime, prevendo reparação financeira às famílias das vítimas. No entanto, era preciso que os cartórios emitissem as certidões de óbito, incluindo informações específicas, para garantir o acesso das famílias aos seus direitos.
Entre as reparações estão previstos o pagamento de indenizações por danos materiais e imateriais, a tipificação do desaparecimento forçado no ordenamento jurídico brasileiro, além da elaboração de estudo sobre a atuação de milícias e grupos de extermínio no Rio de Janeiro.
O caso
Em julho de 1990, onze jovens desapareceram após serem sequestrados por homens encapuzados na Favela de Acari, zona norte do Rio de Janeiro. Os autores, segundo investigações, integravam um grupo de extermínio, que contaria com integrantes de policiais militares, conhecido como “Cavalos Corredores”.
Desde então, Wallace Souza do Nascimento, Hedio Nascimento, Luiz Henrique da Silva Euzebio, Viviane Rocha da Silva, Cristiane Leite de Souza, Moisés dos Santos Cruz, Edson de Souza Costa, Luiz Carlos Vasconcellos de Deus, Hoodson Silva de Oliveira, Rosana de Souza Santos e Antônio Carlos da Silva passaram a simbolizar uma das mais emblemáticas violações de direitos humanos no país.
Trinta e cinco anos depois do desaparecimento dos 11 jovens, nenhum corpo foi encontrado, e ninguém foi responsabilizado.
Três anos após o crime, a primeira líder do movimento Mães de Acari, Edimeia da Silva Euzébio, foi assassinada junto com sua sobrinha na estação de metrô da Praça Onze. O crime ocorreu pouco depois de Edimeia denunciar a participação de policiais militares envolvidos em grupos de extermínio nos desaparecimentos. Rosângela, filha de Edimeia, esteve presente na cerimônia.
Apesar de tentativas judiciais, os crimes enfrentaram obstáculos legais como a prescrição, e os processos não resultaram em condenações. Em 2024, os policiais acusados pelos homicídios foram absolvidos.