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Com: João Eduardo Dutra
Um pedido da Gal. É como Dandara Ferreira, diretora da cinebiografia, define o filme, lançado essa semana no Festival do Rio, e está em cartaz nos cinemas pelo Brasil.
“Meu Nome É Gal” conta parte da história da “Musa da Tropicália” e surgiu com a chancela de ouro da própria, que se encantou após assistir o documentário “O Nome Dela É Gal”, idealizado pela diretora.
O longa conta com um elenco com nomes como Sophie Charlotte, Rodrigo Lélis, Dan Ferreira, Camila Márdila e Luis Lobianco.
O jornal A TRIBUNA entrevistou Dandara Ferreira, que, além de diretora, interpretou Maria Bethânia, e também bateu um papo com Rodrigo Lélis, que fez o papel de Caetano Veloso.
A cineasta conta que o filme tem um grande significado, pois foi um pedido da própria cantora, que a escolheu para tocar o projeto em meio a outras inúmeras propostas. A diretora diz que elas criaram uma relação de amizade durante a produção.
“É uma forma de homenagear uma das maiores e mais importantes cantoras da MPB. E, infelizmente, pelos percalços da vida, Gal não está mais aqui. Mas havia um desejo dela, dessa história ser contada. E eu acho que ele vem no momento disso, de a gente festejar Gal, comemorar Gal”, conta Dandara.
Já Rodrigo Lélis, foi por um caminho distinto. Preferiu conhecer Caetano Veloso apenas após as gravações.
“Eu conheci Caetano depois do filme. Eu tive até uma oportunidade de conhecê-lo durante o processo de gravação, mas eu quis conhecer depois porque eu não queria encontrar Caetano como um personagem. Eu quis, inclusive, cortar o cabelo antes de encontrá-lo. Queria conversar com ele como uma pessoa”, diz Rodrigo Lélis.
Para Rodrigo, não dá para falar sobre Gal Costa sem falar de Caetano Veloso, que foi, por muito tempo, um dos grandes compositores da cantora, junto com Gilberto Gil.
O filme mostra um período específico da vida da artista, nos anos 60 e 70, e mostra a transição da Maria da Graça Costa, a “Gracinha”, para Gal Costa, uma transformação pessoal e profissional, de alguém que surge no cenário da Bossa Nova, porém, se encontra na Tropicália.
Impacto da morte
A cantora morreu durante o período de filmagens. Dandara conta que, infelizmente, Gal não viu o filme pronto, pois ela queria ser surpreendida. As duas estabeleceram uma relação de amizade, e que a própria cantora a escolheu para fazer o filme, em meio a inúmeras propostas que faziam à ela.
“Ela queria sentar na sala de cinema e ter aquela sensação de vivenciar tudo o que aconteceu com ela naquele período. Então ela não viu o filme pronto. Mas volta e meia eu compartilhava coisas com ela. Eu fazia perguntas assim ‘seu vestido era vermelho ou prateado no Divino Maravilhoso (música que Gal cantou em festival)? Mandava alguns vídeos da Sophie cantando e nos ensaios, tudo para trazer ela pra perto, pra ela curtir junto com a gente”, relembra.
Segundo a diretora, todos os membros da produção do filme ficaram impactados com a notícia da morte.
“O filme traz várias memórias, grandes lembranças que ela iria entender o significado. Então todo mundo ficou muito triste porque por pouco ela não viu. Quando ela morreu, já estávamos no processo de finalização do filme, já tinha praticamente fechado o corte do filme. Queríamos celebrar junto com ela”, lamenta a cineasta.
O intérprete de Caetano acredita que a morte de Gal não impactou apenas o elenco, e sim todo o Brasil.
“Acho que quem não sentiu a perda de Gal realmente não a conhece. Em certo ponto não conhece a música. Eu acho muito difícil. Acho que a gente sentiu muito essa perda precoce, que mostra que somos pessoas um pouco mais velhas e que viveram muito a então de uma forma muito precoce e isso foi sentido por todos nós”, diz o ator.
Questão política
Gal Costa se tornou um símbolo de contestação justamente no período mais violento da ditadura militar. O regime permeia o filme, que se passa justamente nesses anos.
A ideia principal é que tudo que está acontecendo ao redor da vida de Gal é importante para ela tomar a decisão de transformação em sua vida. Ela surge cantando Bossa Nova, porém, entra na Tropicália de maneira a explorar sua sensualidade e a desafiar moral comportamental presente na época em sua estática.
“É uma mulher que senta ali no palco, abre a perna, tem uma postura que é na contramão e incomodava a moralidade da época. O comportamento rígido da sociedade. A ditadura foi uma base para a transformação dessa personagem”, explica Dandara.
Rodrigo Lelis, de 28 anos, acredita que a geração dele não possui a mesma força de quem veio anteriormente.
“A gente vivia uma ditadura militar e durante o AI-5 surgiram movimentos culturais muito fortes, como o tropicalismo. Ele não era um movimento que tinha resposta direta a ditadura militar, o tropicalismo, falava sobre comportamento, sobre forma de agir e formas como você. O que você tem que aceitar ou não”, disse.
Além disso, a diretora afirma que o fato da Gal Costa atrair muitos jovens se explica por elas ser uma mulher progressista, de vanguarda, e que se reinventou até os seus últimos trabalhos.
“Gal foi uma grande referência pra nós, mulheres de diversas gerações. Eu sou de uma geração muito mais nova de que Gal, mas eu também me alimento desse lugar que ela foi de referência dessa mulher transgressora para diversas mulheres. Ela também se alimenta de transgressão, de recriação, de inovação”, diz a cineasta.
Importância da Tropicália
A Tropicália foi um movimento cultural brasileiro da segunda metade da década de 1960. Embora a música fosse sua expressão principal, a Tropicália envolveu outras formas de arte como cinema, teatro e poesia.
Uma das marcas principais do tropicalismo foram suas inovações estéticas radicais, que mesclavam elementos de manifestações tradicionais da cultura do Brasil.
Dandara crê que a Tropicália é o movimento mais importante da cultura brasileira, atrás apenas da Semana da Arte Moderna, em 1922, e além de ser um movimento musical, é estético e política.
“Os discos que eu mais gosto, são desse período, desses artistas. Não estou falando só da Gal, mas do Caetano, do Gil também. E para mim é uma base. A Tropicália até hoje é uma referência para diversos artistas de diversas gerações”, revela Dandara.
Trilha sonora
Perguntada sobre a trilha sonora, a diretora optou por utilizar apenas músicas de Gal Costa, em gravações originais, ou cantadas pela Sophie Charlotte. Pensando justamente no recorte do filme, Dandara buscou a transformação, não apenas física, bem como a musical da artista.
“Porque você pensando em Gal, ela foi a síntese do Brasil, muito também através das músicas. Elas dialogaram com vários períodos, mas a gente pensou justamente no recorte do filme”, conta Dandara.
A trilha sonora abrange, então, desde o período bossa novista da cantora, até a metamorfose rumo ao tropicalismo, sempre focados na narrativa de como a canção impacta a história contada.
Escolha do elenco
Na escolha dos personagens, estão uma série de cantores que marcaram época na música popular brasileira, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, e Maria Bethânia.
Sophie Charlotte é quem interpreta Gal Costa. Dandara conta que vê Sophie como uma grande artista de sua geração. A biógrafa não sabia dos dotes musicais da atriz e se impressionou ao vê-la performar a canção “Sua Estupidez” com Roberto Carlos, que inclusive, fez muito sucesso na voz de Gal.
“Quando eu tive uma ideia de Sophie, eu compartilhei com Gal, que gostou da escolha, dizendo que ‘ela tem um timbre muito próximo do meu’. Então eu descobri que Sophie já tinha cantado com o Roberto Carlos. Também falou que a Sophia tinha uma simplicidade, uma inocência no olhar, que a Gal também tinha nessa idade”, relembra Dandara.
Além da voz, a diretora entende que Sophie dialoga com Gal na questão corporal, que eram uma marca da cantora.
Lelis revela que o processo para ser admitido no elenco foi bem intenso e demorado. Em cerca de um mês e meio, ele passou por cinco fases de teste, que consistiam em gravar vídeos como o Caetano, e até recriar o vídeo icônico dele falando a frase “Você é burro”.
“Existem pessoas na nossa profissão que passam pela gente e acabam seguindo. Existem pessoas marcantes. E existe a Dandara, que hoje é como se fosse realmente minha irmã. Interpretamos irmãos no filme e saímos realmente como irmãos”, conta Rodrigo Lelis, que também rasga elogios para todo elenco do filme.
Diretora e atriz
A diretora também explica a maneira como Maria Bethânia aparece durante o longa-metragem, e o impacto que foi interpretar a Rainha da MPB.
“Foi mágico. O filme é uma homenagem para Gal e ao mesmo tempo eu interpreto Bethânia. Também vejo como isso também como homenagem. Uma homenagem a essa relação entre elas, essa amizade que foi tão importante. Elas começaram juntas mesmo, e depois cada uma foi seguindo um caminho e cada uma tinha um estilo musical, mas sempre uma foi muito importante na vida da outra”, relata.
Curiosa também foi a forma como Dandara conta como caiu para ela o papel de Bethânia.
“E eu me vi sendo Maria Bethânia. Não era uma coisa que foi pensada desde o começo. Eu fui a última ali do elenco. A Chica Carelli, que é uma grande atriz e professora do teatro baiano viu a gente no ensaio. Estava tocando a Maria Bethânia. Aí eu falei ‘não tem Bethânia’. Aí ela olhou pra mim e falou ‘Tem sim, tá aqui’. Na hora eu fiquei com receio, achava que eu não ia conseguir me dividir com a direção, mas a partir do momento que eu resolvi encarar esse desafio, eu entrei de cabeça”, conta Dandara.
Dandara conta que estudou profundamente a Maria Bethânia, e ficou até obcecada.
“Eu até eu liguei um dia pra um amigo perguntando ‘ vem cá, a Bethânia pega no copo com a mão direita, mas ela fuma com a mão esquerda’ . Eu comecei a entrar numas paranoias”, relembra em meios aos risos.
Já a presença do Caetano Veloso também é indispensável. Rodrigo Lelis garante que esta é uma homenagem bonita a todos os fãs da música popular brasileira.
“Qualquer brasileiro conhece Caetano Veloso. Caetano também é um grande poeta da música e da língua portuguesa. Para mim, ele está além de qualquer outra coisa dentro das artes que ele participa. Acho que a poesia, especificamente a literatura, é o que mais me agrada nele. Então eu quero dizer também que é uma grande honra interpretá-lo”, finaliza Lelis.