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Um ano após acidente com São Luiz, navios seguem abandonados na Baía
Especialistas alertam para danos ambientais e econômicos; seis embarcações foram retiradas pela força-tarefa, montada em 2022
Um ano após acidente com São Luiz, navios seguem abandonados na Baía
Foto do autor Saulo Andrade Saulo Andrade
Por: Saulo Andrade Data da Publicação: 14 de novembro de 2023FacebookTwitterInstagram
Foto: Reprodução de vídeo

Porte Rio-Niterói: volta para casa. Um motorista desavisado, que dirigia, tranquilamente, na fatídica noite de 14 de novembro de 2022, por volta das 18h25, em direção ao Rio ou a Niterói, não mais que de repente, sentiu um forte impacto na via. Há um ano, o graneleiro São Luiz, de mais de 60 mil toneladas, ancorado na Baía de Guanabara desde 2016, foi levado pelo vento e atingiu uma das estruturas da ponte, na altura de Niterói. De lá para cá, pouca coisa mudou: há, no local, há décadas, um total de 51 embarcações abandonadas, num dos biomas mais importantes do estado do Rio e do país.

Após o acidente, uma força-tarefa foi criada para retirá-las das águas da Baía. Um cronograma começou a ser tocado, em maio deste ano, mas, até agora, apenas seis, dos 51 navios, saíram de cena.

Descoordenação

Na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro vem sendo tocada uma Comissão Parlamentar de Inquérito, no sentido de investigar o histórico problema das embarcações abandonadas na Baía de Guanabara. Os deputados alegam que há uma falta de comunicação entre os órgãos responsáveis por remover os navios e que não há um calendário para a retirada das outras embarcações, que continuam abandonados.

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Uma das instituições que se comprometeram a fazer as retiradas e integram a força-tarefa é a autoridade portuária responsável pela gestão dos portos públicos do Estado do Rio de Janeiro, a Portos Rio. A empresa pondera, entretanto, que as embarcações abandonadas “não estão na área” do porto organizado e que, por isso, não fazem parte da matriz de responsabilidade da companhia.

Mesmo assim, numa iniciativa “voluntária” de responsabilidade ambiental, a empresa vem atuando e conversando com setores da iniciativa privada, do governo estadual, da Prefeitura de Niterói e da Marinha, “reiterando seu compromisso” de manter o esforço de mobilização para a conclusão da remoção das embarcações.

“Em relação ao navio São Luís, encontra-se atracado desde o dia 15 de novembro de 2022, em área de cais público, nas imediações dos armazéns 17 e 18, aguardando decisão judicial”, afirma, em nota a companhia.

Além da Portos Rio, a Capitania dos Portos (Marinha); a Secretaria Estadual de Energia e Economia do Mar; a de Ambiente e Sustentabilidade; a Prefeitura de Niterói e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) também integram o grupo de trabalho, em prol da Baía de Guanabara, no objetivo de remover os navios abandonados.

De acordo com o Inea, o trabalho é conduzido pela Secretaria de Estado de Energia e Economia do Mar e a responsabilidade do órgão ambiental estadual é a de “monitorar e atuar” quando a carcaça retirada apresenta riscos ao meio ambiente.

Já a Prefeitura de Niterói informou que a sua participação na força-tarefa “liderada pela Companhia Docas” é realizar, em “local adequado”, o descarte dos cascos de madeira das embarcações retiradas.

“Toda a estratégia, prazos e logística são de responsabilidade da companhia”, apontou a administração municipal.

Danos ambientais

Enquanto o problema não é finalmente resolvido, fato é que os danos ambientais se agravam. O biólogo e ambientalista Mário Moscatelli ressalta que a quantidade de embarcações abandonadas na Baía – atualmente em 45 - trazem danos às águas e aos manguezais do entorno.

“Com os manguezais, você teria um efeito praticamente imediato. Sem falar na perda de cobertura vegetal de mangue, que é o responsável, em boa parte, pela biodiversidade que ainda existe na Baía de Guanabara. E o que se espera é que essa remoção da faixa das embarcações, dentro de um cronograma factível, ocorra o quanto antes”, alerta Moscatelli, que já chegou a sugerir que, desde que “devidamente preparadas”, as embarcações possam ser afundadas, “de forma induzida”.

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Repito, desde que devidamente preparadas, as embarcações podem se transformar em pontos turísticos, como acontece, por exemplo, no estado da Flórida, nos Estados Unidos. Lá, as carcaças funcionam como um ponto de turismo para mergulhadores autônomos”, exemplificou o ambientalista.

Ainda de acordo com o biólogo, a quantidade de embarcações abandonadas na Baía de Guanabara nada mais é do que o reflexo da “pouca atenção” que o bioma vem recebendo.

“Citaria também, por exemplo, o fato de haver materiais tóxicos de óleo velho, que poluem o mar. A mortandade de peixes é também algo que me preocupa. O que há ainda dentro dessas embarcações? Os produtos são lançados na Baía e, principalmente, afetam as áreas de proteção, que são o ecossistema responsável pela ainda biodiversidade encontrada ali”, alerta.

Indústria naval

Entrevistado pela Tribuna em novembro de 2022, o economista e professor Carlos Cova, doutor em Engenharia de Produção Coppe /UFRJ, destacou, à ocasião, que a indústria naval pode ser ainda mais prejudicada com a quantidade de embarcações abandonadas no entorno da Baía. Ele também acredita que o trabalho de retirada delas “está muito lento”, em virtude das dificuldades de caráter logístico. Para Cova, há uma falta de coordenação entre os diversos atores envolvidos.

“Isto demonstra uma incapacidade de governança entre esferas de governo e setor privado, com graves prejuízos para o meio ambiente e o interesse público. Considerando a incapacidade de gestão coordenada, os interesses políticos difusos, as agendas ocultas não declaradas dos diversos atores envolvidos, a falta de uma visão estratégica e a crônica ineficiência que permeia as ações do setor público no país, pouco pode ser feito, senão aguardar o prazo fluir e torcer para que a empresa encarregada da remoção consiga cumprir o prazo”, sublinhou.

Em nota, a Marinha do Brasil informou que, durante o período de atuação a Capitania dos Portos do Rio de Janeiro, como agente da Autoridade Marítima, atua de forma a "viabilizar" o processo de perdimento das embarcações com os cascos submersos, de forma que, legalmente, possam ser removidas.

Ela confirma que, "até o momento", foram retiradas seis embarcações.

"Estão sendo tomadas as medidas legais, em termos de elaboração de certames que assegurem a efetiva retirada de todo o material restante para a retirada das demais embarcações, em atendimento a todas as condições de segurança e de lisura necessárias".

Em relação ao processo de investigação do acidente com o Navio Mercante São Luiz, o Inquérito sobre Acidentes e Fatos da Navegação foi encerrado e encaminhado ao Tribunal Marítimo, para fins de julgamento.

"Cabe destacar que a Marinha incentiva e considera importante a participação da sociedade, que pode ser feita pelos telefones 185 (número para emergências marítimas e fluviais, além de pedidos de auxílio), (21) 2104-5480 e (21) 97299-8300 (diretamente com a CPRJ, para outros assuntos, inclusive denúncias)", informa o texto. 

As Secretarias de Estado de Energia e Economia do Mar; do Ambiente e Sustentabilidade; além do Ministério do Meio Ambiente também foram procurados, mas não responderam à reportagem, até o fechamento deste texto.

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