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Tom Jobim, Ruy Castro e a onda que se ergueu no mar
Tom Jobim, Ruy Castro e a onda que se ergueu no mar
Foto do autor Luiz Antonio Mello Luiz Antonio Mello
Por: Luiz Antonio Mello Data da Publicação: 06 de julho de 2024FacebookTwitterInstagram

Minha próxima leitura aguarda ao lado do abajur. “O ouvidor do Brasil: 99 vezes Tom Jobim”, de Ruy Castro. 

Em 99 crônicas recheadas de informações e histórias de bastidores, Ruy Castro revela o lado humano, crítico e mordaz do fascinante e plural Tom Jobim. Livro para ler ou presentear as grandes ondas que se ergueram em nossos mares interiores. 

Que beleza.

“Dindí”, de Tom e Aloisyo de Oliveira (canção/apelido da minha cachorrinha), não mais existe. 

Nem “Chega de Saudade” ou “Só tinha de ser com você”. 

O afeto zero deixou a condição de distopia e, sem bilhetinho azul, é vendido em sinais de trânsito como pés de moleque, comunicando que viramos guimbas de “mata rato” apagado.

Mas, sorte, sorte, sorte, o mundo afetivo também está cheio de esquinas. 

E numa esquina adiante, há sempre um gole, um beijo, uma nova paixão aguardando. 

É só não procurar. Quem procura não acha. Paixões surgem, como as epifanias, os luares, o mar manso num fim de tarde. 

Basta seguir caminhando sentindo o ego quase lambido, as ereções múltiplas, o suor, os gemidos, a tara, o som de “Quero essa mulher assim mesmo”, de Monsueto, versão explosiva de Caetano Veloso no álbum “Araçá Azul”, de 1973.

Em tempos de cólera faz bem a alma ler "A onda que se ergueu no mar", um livro antigo do Ruy Castro (é de 2001), um verdadeiro poema para o Rio de Janeiro que amo, mas que não conheci na época pela mais inquestionável das razões: não era nascido.

A personagem principal dessa obra é a Bossa Nova, movimentação cultural que surgiu numa fase do Brasil encravada entre o suplício da era varguista, a boçalidade janista, o baixo astral apático do janguismo e o inominável golpe de 1964. 

Eu não vi a Bossa Nova em tempo real.

Filmes, livros...coisa linda era o Rio nos anos 1950, início dos 60. Coisa maravilhosa era a Bossa Nova, capaz de garimpar mais beleza onde de fato já havia beleza, a contemplação dos olhos verdes da morena e seu biquíni "ousado" em 1960, que hoje daria para fazer um paraquedas. 

A Bossa Nova acabou porque seu muso era o Rio. E o Rio cidade maravilhosa, sol, céu, sul, faliu nos aos 1970. 

Ratazanas e parasitas o transformaram num amontoado disforme, portador de anemia social e política. 

A Bossa Nova acabou porque aquele Rio de Janeiro não mais existe. A ponto de, no passado recente, eleger prefeito um salafrário (redundância) bispo da igreja universal, e ter hoje como candidato um araponga do achacador serviço de inteligência dos asnos. 

O que estariam sentindo o geniais e saudosíssimos (como faz falta ao mundo!) Vinícius de Moraes e o amigo Tom Jobim?

Não li esse livro na época que saiu, apesar de ter ido ao lançamento só para dar um abraço no Ruy Castro. 

Ele me olhou fixo, não me reconheceu no ato, mas depois lembrou de um repórter da lendária da Rádio Jorna do Brasil em 1975, magro pra cacete, cabelos encaracolados na altura dos ombros, roqueiro, que uma vez acendeu um cigarro dele. Esse repórter era eu. 

Ruy era redator do Jornal do Brasil e, ele não sabia, era um dos meus ídolos porque tinha acesso aos bossanovistas, apesar dele detestar rock. Até hoje. 

Entrevistei Vinícius de Moraes ao longo de duas horas em 1977. Foi uma aula de sensibilidade, generosidade, cumplicidade, inteligência, nacionalismo e carioquice. 

Sua morte precoce, em 1980 aos 67 anos, me deixou mal. Muito mais do que quando Elvis partiu. Não li "A onda que se ergueu..." naquela época porque optei por sorvê-lo bem devagar, um dia. E esse dia chegou.

Minha relação com o Rio daqueles tempos é tão comocional que numa noite, lendo o livro, uma lágrima escorreu de meu olho esquerdo. Emoção vadia. 

Quando conheci meu padrinho de estúdio, Roberto Menescal, em 1982 (esse ano, definitivamente, é tótem sagrado), chutei os protocolos e pedi: 1 - um autógrafo; 2 - que um dia fôssemos ao Veloso (bar) e, lá, tirássemos uma foto abraçados. Queria ter comigo a lembrança de um dos pais da Bossa no bar-berço da Bossa Nova. Foi lá que, em 1962, Tom e Vinícius compuseram “Garota de Ipanema”.

Sobre "A onda que ergueu no mar", aqui vai um texto da editora Companhia das Letras:

"As andanças de Tom Jobim pelo mundo; o longo verão de Brigitte Bardot em Búzios; a trágica história de Orlando Silva; as vidas paralelas de Dick Farney e Lucio Alves; céus e mares de Johnny Alf e João Donato; samba e swing no Beco das Garrafas; com Nara Leão em Copacabana; ao redor do pijama de João Gilberto - em A onda que se ergueu no mar, 

Ruy Castro conta novas histórias da música que voltou para conquistar uma nova geração. E quem se dispuser a entrar em todos os sites brasileiros e internacionais dedicados à Bossa Nova, arrisca-se a morrer de velhice antes de sequer arranhar a superfície.

Com Chega de saudade, de 1990, Ruy Castro foi um dos responsáveis por essa volta. Mas ali a história se encerrava por volta de 1970, quando a Bossa Nova foi dada como morta. 

Ruy mergulhou de novo no assunto - mas agora para falar da volta de uma música que, como as ondas, só esperava o momento de dar de novo à praia.

“Quando você trabalha numa biografia, é preciso se mudar para a vida do biografado. Várias vezes por dia descubro uma coisa que me deixa encantado. O biógrafo ideal deveria ser uma pessoa que um dia, talvez, também devesse merecer uma biografia. E isso significa um cara que viveu.” (Ruy Castro).

 

 

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