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Quarta-feira, de manhã cedo, fui obrigado a me afogar na insanidade da pior e mais nefasta rua de Icaraí, onde, há pelo menos 60 anos (quando cheguei nesta cidade), estão amontoados a desordem, a falta de respeito, o esculacho, a esperteza, todas as definições que tento formular ao longo de mais de 50 anos de jornalismo.
Já escrevi, pelo menos, 20 matérias sobre aquele excremento urbano que, resistente, ofende as pessoas limpas, higiênicas, civilizadas.
Só que não.
Hoje não vou escrever de novo sobre aquele leite de rosas às avessas porque recebi um míssil de uma pessoa que não conheço que, além de ter me emocionado, me levou aos mistérios da face oculta do orgulho e da autoestima, que tento recuperar desde a sexta-feira do carnaval em que nasci.
O míssil veio em forma de e-mail. Este e-mail:
“Vi o último capítulo do filme hoje na Globo e chorei. Sou nascida no ano de 76 e sinto falta do rock de verdade, da música. Sinto que meu filho e netos provavelmente não terão o prazer de ouvir poesia em forma de música.
Parabéns! Você é um dos poucos que ainda acreditam na música poética de loucos e ídolos eternos que passaram pelos anos 70, 80 e 90 ... Sucesso! Deus te abençoe grandemente. Pra mim foi uma ousadia É um prazer dizer obrigada Luiz Antonio Mello. Larissa Brotto.”
Larissa, não sei de que estado ou cidade você enviou essa mensagem. Não importa. O que vale é ler que algumas coisas que fazemos na vida valem a pena porque fazem bem as pessoas.
Seria muita ousadia desejar fazer pessoas felizes já que a felicidade é um conceito muito mais complexo. Conseguir fazer bem, poxa, que beleza!
Não consigo enxergar outra razão de ser para o meu trabalho, essencialmente dedicado a Comunicação e a Cultura. Procuro fazer o bem até quando falo da rua mais abominável e infame de Icaraí.
A Rádio Fluminense FM foi um surto de esperança coletivo de um grupo de pessoas que sabia que aquele projeto poderia fazer bem as pessoas.
Foi a realização de muitos sonhos. De quem fazia, de quem ouvia, de todo mundo.
Libertar a música de aqualidade do degredo, do desterro, do banimento, do cativeiro, abrir as janelas para a presença feminina simbolizada pela locução só de mulheres, arrombar as portas da imaginação e deixar fluir uma linguagem contemporânea, ousada, muitas vezes absurda, abstrata, como a poesia dos Malditos*, foi a missão cumprida por todos nós da Fluminense FM.
Fui ator e testemunha da trama, com muita honra, de 1981 (quando cheguei lá) até 1 de abril de 1985, quando saí.
Terça-feira fui rever o amigo Josué Rodrigues, pastor da Igreja Betânia de São Francisco, que frequento há mais de 40 anos. A Betania é um diamante que a Fé colocou carinhosamente em meu caminho, via Josué e Téo Elias.
Depois de uns 50 anos de dedicação, solidariedade, trabalh duro, fazendo o bem, ouvindo milhares de súplicas, há meses Josué mudou-se de Niterói com a sua Emília para outro estado, unindo-se a filhos e netos.
Com certeza com as malas cheias de gratidão, inclusive a minha. Eterna gratidão. E como!
De passagem por Niterói, esteve na igreja onde fui abraçá-lo. Sempre bem humorado, sorridente, ele elogiou muito o filme, o que me fez ganhar o dia. E a noite.
Estou revisando os originais de um novo livro que vai reunir uma mini autobiografia, um texto com pinta de ensaio sobre os anos 1980 e a edição atualizada e revista de “A Onda Maldita – como nasceu a Fluminense FM”, que é a base do filme.
Mais: na mesma obra, o roteiro do filme, assinado por L.G. Bayão. Ou seja, vai dar para “ver” o livro e “ler” o filme. Vai sair logo, IMPRESSO! e, claro, pretendo fazer barulho nas redes sociais.
Pode deixar, vamos avisar a todo mundo. Com prazer.
* Poetas malditos (ou poètes maudits, em francês) é um termo utilizado para descrever um grupo de poetas que viveram de forma marginalizada ou em oposição às normas sociais e literárias da sua época.
Estes poetas eram frequentemente vistos como figuras rebeldes, cujas vidas e obras desafiavam as convenções morais, políticas e estéticas da sociedade.
O termo foi popularizado por Paul Verlaine em sua obra Les Poètes maudits (1884), onde ele descreve poetas como Arthur Rimbaud, Stéphane Mallarmé e Tristan Corbière, entre outros.
Não eram compreendidos em sua época, e muitos deles sofreram durante a vida, recebendo reconhecimento apenas postumamente.
Sua influência, no entanto, foi profunda, especialmente na poesia simbolista e no modernismo, e sua imagem de artistas geniais e incompreendidos ressoa até os dias de hoje.