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Antes, um pequeno prólogo sobre os Dias do meu Pai
Há 3.285 dias, mais conhecidos como nove anos, sinto falta de meu pai logo quando acordo, e depois quando saio para trabalhar, almoço, janto, vou dormir.
Além da saudade que derrama lavras cardíacas de vulcões não sazonais, meu pai foi o meu melhor amigo, conselheiro (que conselheiro!), confidente.
Ele falava pouco, frases curtas, mas a sua intuição, percepção, sentimentos, opiniões, eram imensuráveis.
Em mais esse Dia dos Pais quero mandar uma curta mensagem para os Dias do Meu Pai.
No Ocidente existe um ditado cabotino: “Ninguém é insubstituível”. Pura balela. Meu Pai e minha Mãe são insubstituíveis. Quando o espelho está de bom humor, diz que eu também sou.
Minha mensagem do Dia dos Pais para o meu Pai:
Pai, a cada minuto você se torna mais insubstituível ainda.
“2001, uma Odisseia no Espaço”
Há mais de 50 anos eu estava na fila do Cine Arte UFF para assistir “2001, uma Odisseia no Espaço”, filme de Stanley Kubrick, 1968.
O roteiro foi escrito por Kubrick (1928 - 1999) e Arthur Clarke (1917 - 2008), autor do conto de ficção científica “The Sentinel”, origem do filme.
Os críticos do Jornal do Brasil, que eram os melhores do país (assim como o jornal) estavam meio divididos porque o que mais se ouvia sobre o filme era algo entre “genial”, “obra prima” e “um saco”, “cansativo”, “arrastado”, “sonífero de acetato”.
O Cine Arte UFF apresentou o Cinema de Arte a inúmeras gerações. A minha foi brindada. Foi bem antes de 2003, quando a imbecilidade ampla, geral e irrestrita assumiu o poder no Brasil.
Assisti “2001...” e saí do cinema com a absoluta convicção de que não tinha entendido nada e que precisaria assistir de novo. Para o meu consolo, li que Woody Allen também não digeriu bem.
Ao longo do tempo, assisti a outras duas vezes (a última semana passada) e, de fato, o filme não é para ser compreendido. “2001, uma Odisseia no Espaço” é para ser contemplado, sentido, intuído, é uma produnda (caótica?) reflexão de Arthur Clark.
Concordo com o portal Omelete.
Assista a este curto episódio da série “Segredos de Cinema”:
Clique aqui:
Em homenagem a “2001 e Kubrick”, escrevi essa quase abstração.
Nossos predadores emocionais sobrevivem nas savanas do inconsciente e mantém no topo da cadeia alimentar a ansiedade antecipatória, figurinha fácil no corredor da morte das penitenciárias onde a pena de morte é formal.
No Brasil a pena de morte é informal.
Há muitos relatos de condenados que ficaram ensandecidamente ansiosos para chegar o dia da execução, quando a ansiedade, parece, cessa.
Dormir mal, comer mal, falar mal, estresse, burnout, cansaço instalado no cotidiano, a ansiedade antecipatória é capaz de levar o ser humano a milhares de abismos por minuto, numa tortura inominável que devora dias, noites, semanas, meses, anos, décadas, novas encarnações.
Certa vez, anos 1970, movido por “2021, uma Odisseia no Espaço”, fui me meter a fazer meditação transcendental na torpe tentativa de tentar reduzir a velocidade dos pensamentos caóticos que, disse depois a ciência, é equipamento de série e não acessório.
O mestre começou a sessão de meditação querendo que eu ficasse na posição de lótus, mas eu nunca consegui e não consigo até hoje. Acabei deitando de barriga para cima.
Meia luz, música pré-gravada, incenso, voz mansa ele fez uma contagem, disse um monte de coisas e na minha cabeça surgiam piranhas (peixes) comendo a minha mão num caixa de banco, incêndio no meu próprio corpo, afogamentos, enforcamento numa floresta devastada, e o desejo de levantar e meter a porrada no mestre usando um fêmur idêntico ao do primata Moon Watch que descobre que pode matar no primeiro segmento de “2001...”.
Eu disse “para, caral+$#@&$#! Não aguento mais! Quanto custou essa por@#&%+”. E fui embora.
Eu tinha uma Brasília, carro de sucesso que a Volkswagen fabricou de 1974 até 1982 e a bordo, em alto volume, enchi a cara de Led Zeppelin como se fosse fogo paulista misturado com pinho sol, e as erupções de pensamentos hediondos deram uma serenada, como o sereno voo da nave de “2001...” antes do computador HAL 9000 fazer o que fez no filme.
Dias depois encontrei um saudoso amigo, médico psiquiatra, numa fila de orelhão (telefones públicos do século passado) falei que estava completamente fora da área de cobertura, “a ponto de recorrer a meditação transcendental.”
“Pior opção”, ele disse, “porque quando estamos sob violento estresse – que é o seu caso - a meditação a amplifica, é como se você jogasse gasolina em lareira. Não adianta tentar conter pensamentos, a não ser…”.
A não ser dopando, ele pensou, mas não disse. Só dopando, entendi calado. E fui apresentado ao alprazolan + psicanálise + psicologia + Fé. Viva a Fé!
Sem saber, meio que segui as pegadas imaginárias do astronauta David Bowman, 0sobrevivente de “2001, uma Odisseia no Espaço”, na última parte depois das quase três horas de filme.
Mergulhei na psicanálise e em várias outras terapias ortodoxas e heterodoxas (florais, unha de corvo ao suco, etc.) que uso até hoje para conter a alternância de mente caótica com o vácuo espacial e doloroso da solidão que nos habita. Não dá para conter 100% mas tento adquirir know how para negociar.
Lembro de um amigo que navegando solitário entre Ilhabela e Rio, bateu o barco numa pedra, naufragou e conseguiu chegar a uma ilha fora dos mapas, GPS, comunicação.
Ficou uma semana por lá, sozinho, comendo caju, pitanga e mexilhões, bebendo água de coco, até ser descoberto e resgatado.
Chegando a Niterói, recebido por amigos, dei parabéns. “Preferia ter ficado lá...” ele disse, desconcertante. “Muita aporrinhação por aqui”, encerrou o curto papo.
Por cinco minutos, senti inveja.
Há uns cinco ou 30 anos eu estava nadando a noite numa paradisíaca praia de Angra dos Reis quando o motor da mente caótica girou e comecei a pensar na música do filme “Tubarão” (“tan tan tan tan”), convencido que ia ser devorado por um ali mesmo.
Apesar de pensar “não existe tubarão aqui, não existe tubarão aqui, não existe tubarão aqui", eu conheço bem aquele mar e sabia que existia. Fóbico, nadei até a praia e, quando cheguei, me joguei na areia arfando. Acho que até suei dentro d'água.
Um amigo comentou, “caramba você nada rápido pra cacete, até parecia eu, ano passado, quando mergulhei a noite, fui até lá no fundo e lembrei daquela música do filme Tubarão, entrei em desespero e quase andei sobre a água. Nunca mais pisei na água a noite”.
A mente caótica, pelo menos, é democrática.