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Roberto Menescal é um dos nomes mais relevantes da história da música, não só do Brasil, mas do mundo. Ele é um dos criadores do movimento que revolucionou o cenário musical no meio do século passado e lançou grandes nomes que marcam época até hoje, a Bossa Nova.
Ao lado de Tom Jobim, Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, Menescal se reunia no apartamento de Nara Leão, em Copacabana, para fazer música. Desses encontros nasceu a Bossa Nova, que é reconhecida como um dos principais estilos musicais do Brasil e faz sucesso ao redor do mundo.
Menescal escreveu grandes canções como “O Barquinho”, “Você, Nós e o Mar”, “Ah se eu pudesse, Rio”, entre outras, quase sempre tendo o mar como temática. Tinha Ronaldo Bôscoli como um de seus principais parceiros musicais.
Como músico, acompanhou em apresentações e gravações de Nara Leão, Wanda Sá, Sylvia Telles, Lúcio Alves, Maysa, Aracy de Almeida, Dorival Caymmi, Elis Regina, entre outros, sendo dele o arranjo para a canção "Bala com Bala" de João Bosco e Aldir Blanc, interpretado por Elis em 1972.
Além disso, Roberto tocou ao lado de Luiz Eça, Luiz Carlos Vinhas, Bebeto Castilho, Hélcio Milito, Eumir Deodato, Ugo Marotta, Sérgio Barrozo, Oscar Castro Neves, João Palma, Edison Machado, Wilson das Neves, Antônio Adolfo, Hermes Contesini, José Roberto Bertrami, João Donato e tantos outros.
Roberto foi diretor artístico da gravadora Polygram (atual Universal Music), compôs a trilha sonora em parceria com Chico Buarque para filmes como “Bye Bye, Brasil,” de Cacá Diegues, e ajudou a produzir novos grupos musicais como “Bossacucanova”.
Para A TRIBUNA, Roberto Menescal falou sobre a sua trajetória desde o garoto de 17 anos que queria mudar o tom da música brasileira até hoje, mais experiente e aguardando a “mudança que está por vir”.
Qual é a diferença do astral do Brasil naquele momento da criação da Bossa Nova na virada dos anos 50, 60 para hoje em dia, o que você vê? A diferença desse astral?
Havia a necessidade de mudança. O que tocava nas rádios, o samba canção, satisfazia a parte melódica mas as letras eram terríveis. O mais animado falava “ninguém me ama, ninguém me quer. Vim pela noite, andando de fracasso em fracasso”.
Então nós, garotos de 17 anos de Copacabana, Zona Sul, não éramos representados por essa música. Começamos a criar uma coisa com a nossa vida. Como a gente não tinha exatamente o que queríamos, começamos a criar, mas sem saber que era um movimento.
Quando vocês tiveram noção do que vocês fizeram era importante, marcante, revolucionário? Essa ficha caiu rápido ou ela ainda está caindo até hoje?
Ela caiu rápido. Meu parceiro, o Ronaldo Bôscoli, que era um repórter, tinha uma noção do mundo mais apurada, falava “Beto, a gente tem que fazer uma letra sem sofrimento, porque a gente não está sofrendo nada, estamos adorando”.
Aquela geração que fazia as letras de samba canção, eram sempre pessoas que trabalhavam na imprensa, sempre de terno e gravata. E o Ronaldo falou “Beto, vamos tirar a gravata da música brasileira”.
A partir daí a gente começou a ter noção que estávamos fazendo uma coisa nova e necessária para a juventude.
Você acredita que aquele raio pode cair outra vez no Brasil ou foi um fenômeno único?
Acho que hoje vai cair mundialmente ao mesmo tempo por conta da comunicação rápida. Uma coisa começa a surgir e você já está de olho. Naquela época era difícil, a gente não tinha essa noção de mundo e de rapidez. Então foi o movimento mais isolado. Mas eu acho que hoje vai nascer uma coisa ao mesmo tempo para todo mundo.
Há tempos você liderou uma espécie de modernização da Bossa Nova, que teve novos nomes como Grupo Bossacucanova e outros. Mas parece que não pegou. O que aconteceu?
Eu não liderei, eu estava perto quando os garotos me mostraram as primeiras coisas. A Bossa Nova nunca teve uma dança, mas eles falaram que estavam fazendo umas experiências e eu achei muito legal. Fizemos turnês na Europa e a música foi muito bem lá.
Mas aqui, quando se fala na Bossa Nova, mesmo que fosse “Bossacucanova ", as pessoas não pensavam em música dançante. A nossa música não é dançante, é para ouvir. Mas nós fomos convidados para participar do próximo Rock in Rio e vamos ver o que acontece.
Por que você acha que nós não temos novos Roberto Menescal, Tom Jobim, João Gilberto, Marcos Valle?
Esse é um papo longo. Eu conheci uma pessoa, em 1985, que eu chamava de bruxo, porque eu vi que a Nara Leão estava com um problema de saúde grande. Ela tinha umas apagadas no meio do show. No Brasil, levei ela a um médico que me disse que ela estava com um câncer na cabeça e que só tinha três meses de vida.
Levei duas semanas para tomar coragem de contar para ela. Mas eu falei “Nara, eu não me conformo com isso e vou sair procurando outra coisa”. Acabei encontrando o que eu chamo de um “bruxo”, que é um cara alto nível, desembargador, que fazia curas de câncer e aids.
Todo mês a gente ia para Minas fazer um passe com ele e ficamos amigos. No último jantar que fizemos, em 87, conversamos até às 4h e eu perguntei o que ia vir de novo.
Falou que estávamos no final de um século, final de um ciclo. Só depois que vai mudar tudo. Ele disse que no ano de 2019 iria surgir uma doença que ia pegar muita gente, porque isso acontece de 100 em 100 anos, uma espécie de ajuste. Depois iam começar as coisas novas. Vem a doença e vem as coisas novas. 100 anos atrás tivemos a gripe espanhola e a Semana de Arte Moderna, onde os intelectuais traçaram novas linhas de trabalho e você tem o cinema falado. Tem uma hora da mudança.
E ele disse que essa mudança acontecerá em 2024, onde a gente está agora, no final de 2024, vocês vão sentir as primeiras grandes mudanças. E eu acreditei muito nesse cara, então estou esperando o que vem por aí.
Só que junto a coisa boa sempre vem coisas que não são tão boas. Também tem esse outro lado.
Alguns historiadores dizem que o Brasil sempre foi polarizado, mas as pessoas ficavam quietas antes. Você concorda?
Eu acho que a grande maioria do mundo não percebia certas coisas. Nós percebemos porque foi muito flagrante, digo a gente da Zona Sul do Rio, que a gente descobriu que a praia era o nosso clube. À noite a gente ia para a praia tocar violão e namorar. E isso foi se passando para outras classes, outros lugares do Brasil. São Paulo, por exemplo, quando aderiu ao nosso movimento, desenvolveu muito e foi muito bom, porque era lá que a gente ganhava o dinheiro, aqui a gente fazia a farra.
Vocês tocavam violão na praia, ficavam fazendo música, principalmente em Copacabana. Como era a questão da segurança? Vocês tinham algum receio ou naquela época não tinha nada disso?
Não tinha nenhum receio. A gente era muito feliz. Como dizia o Bôscoli, nós éramos felizes e sabíamos.
Hoje as entrevistas são muito “que saudade que você deve ter dessa época ?”. Eu não tenho saudade da época, porque hoje para mim está muito bem, a vida está muito boa. Eu tenho saudade do futuro, eu quero saber o que vem aí. O resto a gente já fez.
Foi bom? Foi ótimo, mas já fizemos. Não quero ficar parado.
O que você tem produzido e o que você espera do Roberto Menescal para o futuro?
Do futuro eu não sei ainda. Eu estou de olho e espero participar de alguma maneira. Hoje eu tenho muita coisa para fazer. Eu queria tentar diminuir um pouco.
Por que tanta entrevista? Porque meus amigos todos morreram. Quando querem falar do passado, recorrem a mim.
Recebo muitas homenagens, mas eu não quero, quero continuar fazendo coisas.
Acabei de produzir um disco do Fagner. Tem um projeto com a Cris Delanno. Estou fazendo show com Leila Pinheiro pelo Brasil inteiro. Estou trabalhando com a Analu Sampaio, uma cantora nova, com Will Santt, que faz uma arte muito parecida com o João Gilberto. Vou participar do Rock in Rio com o Bossacucanova. Também estou fazendo muito arranjo para o exterior. Muita gente de fora procurando a gente, não me pergunte por que.
Falando no exterior. Nos anos 80 e 90, você virou um embaixador da música do Brasil no Japão. Essa paixão do japonês pela música brasileira continua?
Continua muito forte. Eu tinha falado que não iria mais ao Japão porque não aguentava mais aquela viagem de 27 horas. Mas vou ter que ir mais uma vez porque estão fazendo um documentário sobre a minha vida e o Japão me convidou para fazer uma parte lá.
Outra pergunta que eu não posso responder é por que essa ligação do Japão com o Brasil. Segundo eles, é mais pela letra, e eu pensava que era pela música. Eles ficam muito impressionados com as nossas letras e o sentimento que elas transmitem.
Há muitos jovens nos seus shows. Por que a juventude gosta tanto da sua música?
Porque eles estão sem música. O próprio rock caiu muito. O Brasil é muito grande, tem interior e tem a parte marítima, que é o litoral que gosta mais da nossa música. A gente faz shows lotados, não tem uma vaga disponível.
Você já gravou com o Andy Summers, ex-guitarrista do The Police. Onde Roberto Menescal se encontra com Andy Summers em termos musicais?
Eu nunca curti muito o The Police. Eu era da gravadora Polygram que tinha os Bee Gees. Eu não conhecia muito a concorrência, mas ouvia falar porque era um grupo de muito sucesso. Um amigo meu falou que o Andy Summers estava no Brasil e queria falar comigo. E como tinha gravado uma música deles e mudei tudo, achei que ele pudesse estar bravo comigo, mas ele adorou e sugeriu fazermos algo juntos.
Marcamos um show para outubro em São Paulo e combinei de ir enviando material para ele, mas acabei esquecendo. Em setembro, um mês antes, ele me perguntou se estava tudo certo, porque eu não tinha mandado nada para ele. Eu disse que sim e comecei a mandar, mas eu só poderia chegar no dia do show. Ou seja, a gente só ensaiou na tarde antes da apresentação. Mas correu tudo bem, depois ele veio para o Rio, conheceu a casa da Nara Leão.
Essas coisas aparecem na vida da gente. Nunca pensei em conhecer o Andy Summers e fizemos turnê juntos no Brasil, na Argentina.
Você sempre se apresentou por aqui em Niterói. Qual é a sua relação com a cidade?
Eu era um predador terrível. Fui caçador submarino e matava os peixes. Então ia para Itaipu para acampar e pescar. Depois eu comecei a fazer coisas no Theatro Municipal de Niterói, inclusive meu primeiro show com a Analu Sampaio foi lá, com 14 anos. Então tem essa ligação. Já fiz muita coisa aí. E eu gosto muito da cidade e da turma daí.
Você ainda tem aquele sítio que cultivava orquídeas e bromélias?
Eu não tenho mais o sítio, mas um amigo meu tem um terreno aqui em Guaratiba e eu vou lá todo sábado que não estou trabalhando. Tem minhas bromélias em um canto, assim como aqui em casa. Eu preciso cuidar das plantas para a minha paz.
Por falar em plantas, como você vê a discussão ambiental?
A gente sabe que existem várias soluções, o que precisa é fazer. A energia solar está crescendo, a eólica também. Mas a gente tem que acabar com esse negócio da gasolina, que polui a atmosfera. A gente não pode continuar destruindo as florestas. Eu sou muito ligado nisso e esperançoso, mas não dá para esperar mais.
E para finalizar, uma perspectiva de Roberto Menescal para o Brasil nos próximos 20 anos.
Eu estou com 86 e estou bem de saúde, faço ginástica e nunca me envolvi com drogas, apesar do meio em que eu vivia. Alguém tinha que ter a cabeça no lugar, e eu fui o escolhido. Então eu acho que vou durar mais um tempinho e eu quero muito ver essa mudança que está por vir, e não deve demorar.