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O marginal evadiu-se da Delegacia de Costumes
O marginal evadiu-se da Delegacia de Costumes
Foto do autor Luiz Antonio Mello Luiz Antonio Mello
Por: Luiz Antonio Mello Data da Publicação: 27 de julho de 2024FacebookTwitterInstagram

Final dos anos 1970. Estacionei meu Karmann Ghia TC na rua do Leme onde morava a mulher. Não uma mulher, mas a mulher.

O que eu sentia quando a via era um furor múltiplo tão atroz e belo que nem um cardume de tubarões voadores seria capaz de reproduzir.

Dentro do Karmann Guia TC, eu disse que o amor é um sentimento tão acrilírico, tão abissal, tão blues que nenhum intelectual, nenhum filósofo, sociólogo, antropólogo conseguir colher suas digitais.

O amor é um marginal que evadiu-se da Delegacia de Costumes.

Eu e a mulher, completamente nus, dentro do Karmann Guia TC estacionado junto ao calçadão da Avenida Atlântica. 

Vidros embaçados por nossa insaciável lascívia há mais de três horas.

Enbaçados, nos protegiam do olhar inquisidor dos pedestres e do faro de rato da polícia.

Gemíamos, gemíamos, gemíamos, suados, escalavrados, ela cada vez mais eu, eu cada vez mais ela, ao som do Tangerine Dream que jorrava dos alto falantes do rádio, grupado da Eldo Pop FM. 

Apaixonados, trôpegos, esgotados...não dormimos, não paramos. 

Saímos do Karmann TC, flanamos enroscados a beira mar, subimos o Caminho dos Pescadores, Pedra do Leme. 

Brisa fria de inverno. 

Andamos até o final, mar relativamente manso, ondas suaves, ondas tropicais. 

Ninguém na madrugada que fazia a cidade dormir, enroscada em seus cobertores Parahyba, cheirando a Vick Vaporube.

Nus. 

De novo. 

Amor, saga, taras, amor, amor, amor, sublime amor, na pedra onde jaz a marca de nossos corpos e a ansiedade de nossos pulsos, artérias e becos, clamor de inocência, ao som do mar e à luz do céu profundo. 

Amásios, seríamos eternos. 

Difícil viver o amor sem explicações e, sobretudo, sem complicações. 

Mas jamais incondicional, conversa de existencialista amador. O ser humano é condicional em sua essência.

Amanheceu. Sumimos.

Levei-a no Karmann Guia TC bege igual ao da foto, sem a banda branca nos pneus. 

Ela desceu do carro, eu também, fomos até a portaria do prédio, nos olhamos sem nada dizer apenas ouvindo ao longe, baixinho, o rádio do Karmann Guia TC na Eldo Pop FM tocando o Renaissance, ao vivo em Londres. 

Não esquecerei “At The Harbour”, a música que ela mais gostava. Sincronicidade. 

E como a música é a linha de tempo e afeto de minha vida, jamais desvinculei “At The Harbour” dela.

Ela entrou no prédio, cabisbaixa. 

O Karmann Guia TC me pegou, singramos a orla até o final do Leblon. 

Na volta, em Copacabana, parei numa carrocinha da Geneal, perto de onde estávamos, nus, horas antes.

Comi duas mini pizzas, sob a presença atenta do mar escuro e mexido (como eu), pensando naquela história de amor que havia acabado; que o amor solitário não sustenta, como Machado de Assis já havia exibido no século 19. 

Nem quando ela sussurrou pedidos de desculpas encharcadas, em prantos, consegui reverter aquela sensação estranha, o vácuo chamado “perdeu”. 

Amor condicional.

Não desisti do amor, nem ele de mim. Se pudesse ligaria para ela agora, décadas depois, para dizer que deu vontade de...de...de ficar nu, dizer coisas, fazer afagos, trocar seivas e néctares. 

Impossível. 

Não sei onde ela vive. Mas  não teria problema. 

Repórteres são especialistas em achar pessoas, o que mais fiz e faço nessa vida. 

Mas não sei se ela ainda é ela e se eu sou eu. A essência da indecência que tanta falta faz.
 

Ainda assim, impossível ficarmos nus, sem compromisso, sem honras e promessas, como cantou Renato Russo. 

Sem juras de eternidade é impossível viver o provisório. Por melhor que seja o provisório. 

Mesmo que o provisório seja hoje, de novo provisório daqui a três semanas, de novo provisório daqui a um mês. 

O AI-5 afetivo decretou que amor provisório é coisa de cafajeste.

O mundo moderno execra Vadinho e canoniza Dr. Teodoro Madureira, de “Dona Flor e seus dois maridos”.

Mas, aquele planeta não foi uma miragem. 

Estacionei meu Karmann Ghia TC na rua do Leme onde morava a mulher. Não uma mulher, mas a mulher...

P.S. – Sonhei que uma Kamala Harris tinha tomado posse como presidente do Brasil. Pena. Era um sonho. Putz.

P.S. 2 - P.S. 2 – Felizmente, uma Kamala Harris não é uma Dilma Roussef (D.M.L*), nem uma Hillary Clinton (D.M.L.*), nem uma Isabelita Peron (D.M.L.*). Uma Kamala Harris é uma Kamala Harris.

*D.M.L. - Deus me livre.

 

 

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