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Sabemos pouco da nossa vida. Ela só nos aparece debaixo de um reboco antigo, a fim de escapar de algo que insiste e resiste. Mas não convence.
A vida nos aprimorou na arte de nos esconder e de lançar mão disso para sobreviver. Tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas e até a velha “chapa”: há gente para quem a manchete da vida gira em torno de contar quantos exames fez. Se houvesse como fazer ressonância dos sentimentos, faria! Se houvesse como “tirar uma chapa” da alma!
Já pensou! Mas quem saberia ler? Antigamente, o ouvido ao peito do paciente ainda simbolizava, por parte do médico, o maravilhoso e insubstituível ofício de escutar. Depois que se inventaram mil outros aparelhos, a escuta preferiu se calar. Escutadas, hoje, são as máquinas, mas isso não significa que as pessoas não tenham nada a dizer. Ter, elas têm. Só falta escutá-las.
Quando as pessoas não falam ou quando as palavras perderam a capacidade de dizer o que acontece, o corpo assume a dianteira e fala por si, usando a linguagem que ele conhece: a dos sintomas.
Ressonâncias, tomografias, exames, alcançam apenas o que a desordem produz no palco. O script da cena existe, mas precisa ser lido nos bastidores.
Uma pergunta inicial corajosa e fundadora, se cala. Seria ela, o que é que anda faltando na sua vida? Perigosa e até inconveniente, eu sei. Mas, a menos que se tenha tempo e capacidade para sustentar a conversa ou o silêncio que se instalará, melhor não dizer nada.
Ei-la: Se todos precisamos de rebocos para cobrir a vida, quem sabe um deles conseguirá tratar do homem que sofre?
E se ele não puder?
Nesse caso, paciência! Nem todo mundo pode ver. Nem todo mundo pode ouvir. Nem todo mundo pode querer. Estamos sempre à espera de algo, mesmo quando nem sabemos direito o que é.