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Na sede do Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS) da UFF, em Niterói, funciona um espaço que parece discreto, mas guarda um patrimônio que poderia se perder para sempre. É o LUPA – Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual, responsável por digitalizar, restaurar e preservar filmes e fitas antigas que já não podem ser vistos em equipamentos comuns.
A TRIBUNA visitou o local durante uma aula e encontrou os alunos de cinema da universidade com as mãos na massa: de luvas, limpavam rolos de filmes antigos. À frente da turma estava o professor Rafael Luna, coordenador do LUPA, que explicou de forma simples a diferença entre o material que chega até ali.
“O cinema é baseado no rolo de filme em que você tem várias fotografias impressas, uma atrás da outra. Já o vídeo é um registro magnético numa fita, que precisa de um aparelho específico para tocar. O problema é que tanto o projetor quanto o videocassete praticamente sumiram. Então, digitalizamos esses materiais para que qualquer pessoa possa vê-los hoje em um computador ou no celular”, disse.
O que o LUPA preserva
Ao contrário de instituições como a Cinemateca ou o Arquivo Nacional, que guardam obras do cinema brasileiro já consagradas, o LUPA tem como missão cuidar dos chamados “filmes órfãos”. São registros amadores: aniversários, festas, casamentos, viagens em família, propagandas. Fragmentos do cotidiano que, reunidos, ajudam a contar a história da vida comum no Rio de Janeiro ao longo do século 20.
Enquanto a reportagem esteve lá, chegou ao laboratório um rolo dos anos 1910, encontrado em uma escola de Nova Friburgo. O acervo já soma cerca de 1.500 rolos catalogados, que vão dos anos 1920 aos 1980. Além dos filmes, há mais de 300 equipamentos históricos, como câmeras, projetores, gravadores e microfones.
O cuidado com o acervo
Para que esses materiais não se percam, é preciso criar as condições ideais de preservação. A sala de armazenamento do LUPA é mantida a cerca de 20 graus de temperatura e 50% a 60% de umidade, com uso de ar-condicionado e umidificadores.
Do rolo para o digital
O coração do laboratório é o scanner de filmes, equipamento que permite transformar películas antigas em arquivos digitais. O processo, mostrado pelo técnico Davi Pedro Braga, começa com a passagem do rolo por uma solução de limpeza. Quadro a quadro, a imagem é capturada e enviada para o computador.
Assim, filmes que antes dependiam de projetores hoje podem ser vistos online. Além da digitalização, o LUPA também realiza restauração digital em casos especiais, corrigindo riscos, falhas de cor e marcas do tempo em obras selecionadas para mostras e festivais.
O LUPA é também espaço de formação acadêmica. No local são oferecidas duas disciplinas: uma obrigatória, sobre preservação audiovisual, e outra optativa, mais aprofundada. Foi ali que o curso de Cinema da UFF se destacou nacionalmente, ao se tornar o primeiro do país a incluir a preservação como parte do currículo, ainda nos anos 2000.
Além das aulas, o laboratório participa de projetos de pesquisa. Em 2024, por exemplo, foi criado o Museu Audiovisual Universitário (MAU), que reúne equipamentos antigos e serve como espaço para guardar filmes em estado crítico, como os que apresentam o chamado “vinagre”, processo químico de degradação da película.
Estrutura e parcerias
A estrutura atual do LUPA começou a ser formada em 2014 e foi consolidada em 2018, quando conquistou uma sala própria no casarão do IACS. Em 2023, com a inauguração do novo prédio do instituto no campus do Gragoatá, ganhou instalações modernas e climatizadas para armazenamento.
Desde 2021, o laboratório tem capacidade para digitalizar diferentes formatos de película, como 8mm, Super 8 e 16mm. Por meio de parcerias, passou também a trabalhar com fitas magnéticas como VHS, Betacam, U-Matic e Mini-DVD.
O LUPA está cadastrado na Plataforma Nacional de Infraestrutura de Pesquisa e mantém bases de dados abertas. Muitos dos filmes já digitalizados estão disponíveis gratuitamente na internet.
Mais do que tecnologia, o trabalho do LUPA é um serviço de memória. Ele garante que registros pessoais, coletivos e até curiosidades históricas não desapareçam com a obsolescência dos equipamentos.
Por fim, o professor Rafael Luna também faz um apelo à população: quem tiver em casa filmes antigos, guardados em rolos ou fitas que já não podem ser assistidos, pode procurar o laboratório para fazer a doação. Afinal, muitos desses materiais ficam esquecidos em armários e correm risco de se perder. No LUPA eles ganham tratamento adequado e podem ser preservados para as próximas gerações.