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A primeira Globeleza, ou melhor, Valéria Valenssa, dona do posto entre 1991 e 2005, deu cara ao Carnaval.
Desta vez, depois de quase 20 anos longe da folia, ela retorna ao protagonismo, agora como musa do Carnaval e embaixadora de Maricá.
Entrevista exclusiva por e-mail a Luiz Antonio Mello e Gabriel Ferreira:
AT: Valéria, vivemos uma nova realidade social, de muito monitoramento de costumes. Você acha que nos tempos atuais você poderia ser a Globeleza do passado, esbanjando simpatia e sensualidade em rede nacional de TV?
VV: A Globeleza é um personagem que não só marcou a minha vida, como também representou um grande divisor de águas na minha carreira.
Fui muito feliz durante todo tempo que estive no posto, representando o sonho de muitas mulheres pretas de ter prestígio e reconhecimento dentro da TV brasileira.
E mesmo depois da minha saída, o posto continuou sendo muito bem representado por todas as meninas que vieram.
É um personagem que se tornou um ícone não só para a Globo, devido à vinheta, mas principalmente para o carnaval.
Aliás, a Globeleza, na minha opinião, pode sim ser considerada um patrimônio do Carnaval.
Mas hoje, com todas as conquistas e as discussões que têm sido levantadas em torno do empoderamento da mulher preta e a conscientização e luta contra a sexualização das mesmas, acho que talvez fosse a hora realmente de repensar a Globeleza.
É claro, que sempre teremos mulheres sambando e exibindo toda a sua beleza, com ou sem roupa, pintada ou não, porque somos livres para sermos e fazermos o que quisermos.
Mas acho que ainda são necessários e importantes mais debates sobre a assunto, até para reafirmar o que já sabemos há muito tempo: que nós, mulheres pretas, somos muito mais do que um corpo cheio de curvas.
Nós mulheres do carnaval, somos muito mais do que beleza e samba no pé. Somos mulheres e temos o nosso valor, nossas dores e as glórias.
AT: O que a Globeleza te trouxe de bom?
VV: A Globeleza, ela se transformou num símbolo do carnaval e levou essa marca para o Brasil e para o mundo. Tudo que sou hoje, começou com a Globeleza!
E tenho muita lembrança boa. Era sempre um processo, tanto a caracterização quanto à descaracterização.
E eu lembro que a produção tinha todo um ritual antes, durante e depois da gravação da vinheta.
Para tirar a purpurina, eu ficava de molho numa banheira para soltar a cola da minha pele, porque quando secava, ficava bem, bem dura. Mas, dependia de cada ano.
Teve até uma situação inusitada, que foi uma vez que eu estava pronta para gravar e a pintura não segurou no corpo com os movimentos do samba. Craquelou toda… esse ano, que não me lembro qual foi, nós tínhamos testado uma tinta diferente, mas não deu certo no final.
Mas a equipe era incrível e sempre dava um jeito. Aliás, estava sempre nua de tapa-sexo.
Além de ter me trazido tudo o que tenho hoje, a Globeleza também me trouxe lembranças maravilhosas, que guardo com carinho no meu coração.
E sinto muita falta do contato com a equipe, desde a primeira pincelada no meu corpo até o resultado final que já chegou a durar mais de 24h.
Esse momento pré, para acontecer tudo aquilo que as pessoas viam na televisão, para mim era muito mágico.
Sinto saudade desse momento e de todas as cidades do Brasil que eu viajei, todo mundo que eu conheci... eu sinto muita saudade desses momentos.
AT: E de ruim?
VV: Sempre fui recebida com muito carinho em todos os lugares. É claro que algumas pessoas torceram o nariz por ser uma mulher negra, pelo racismo, enfim..., mas eu procurava não ver isso. Meu sonho era muito maior do que as críticas, em relação ao racismo. E cada pedra que tinha no meu caminho, eu pulava e não queria nem olhar para trás.
AT: Ser Globeleza te dava prazer?
VV: Em 89 eu participei do concurso Garota de Ipanema. Eu era a única negra entre as candidatas, eu não dava ouvidos ao que a sociedade falava que eu podia ou não fazer por conta da cor da minha pele.
Não ganhei o concurso, mas foi ali que conheci o Boni, o Hans, o Chico Recarey e ali surgia uma oportunidade que mudaria minha vida.
Então, além da felicidade, tenho muito orgulho de ter sido Globeleza, porque ali eu estava representando o sonho de muitas mulheres pretas, que não tinham quase nenhuma representatividade na TV Brasileira, principalmente em papéis de destaque.
E também porque não deixei que o preconceito da sociedade tirasse as minhas oportunidades, continuei lutando.
É o que desejo para todas nós mulheres pretas, que continuem lutando sempre!
AT: Quando você deixou de ser Globeleza, fez questão de desaparecer. O que houve?
VV: Eu entrei em depressão. Foi um momento muito delicado, aconteceu em um período no qual eu estava muito sensível.
Não aconteceu da maneira que eu gostaria, eu queria encerrar essa jornada de uma maneira grandiosa.
E quando veio a dispensa me veio uma depressão profunda, uma tristeza constante, que eu tentava lutar contra, mas era mais forte. Não estava me reconhecendo. Foi muito difícil!
AT: Além da casa de seu pai, qual o outro vínculo que você tem com Maricá?
VV: Eu tenho uma aliança familiar com Maricá. Há 30 anos, meu pai me falou que o sonho dele era morar em Maricá.
Naquele momento eu não entendi muito bem, porque nós gostaríamos de ter ele próximo.
Mas era o sonho dele. E, naquela época, eu trabalhei o carnaval inteiro para realizar o sonho do meu pai.
Então cada presença, cada show, cada desfile, cada tchau, cada beijinho, tinha um propósito. Tive o privilégio de realizar.
A minha mãe faz mais ou menos um ano e meio que está morando em Maricá também e nós tivemos uma experiência muito forte no final do ano passado, em que ela passou mal e precisou ser socorrida no hospital.
Eu estava em viagem e lembro de toda preocupação sobre a necessidade que teria ou não de a transferir para o Rio de Janeiro. Mas tudo que ela precisava, Maricá acolheu.
Hoje, tenho uma gratidão muito especial pela cidade, principalmente pelo cuidado com que acolheram os meus pais e que agora se estende a mim também.
Estou muito feliz por ter sido nomeada Embaixadora de Maricá e, através disso, voltar aos desfiles junto com a União de Maricá, que está fazendo sua estreia no sambódromo este ano.
AT: O que representa para você ser embaixadora de Maricá?
VV: Eu me sinto uma filha de Maricá. Hoje me sinto muito honrada por poder carregar esse título de Embaixadora de Maricá.
É uma responsabilidade grande, mas eu realmente tenho uma gratidão por cada um deles e pela forma como acolheram os meus pais e hoje me acolhem também.
AT: Você é muito conhecida. O assédio de fãs pedindo autógrafos, pedindo selfies, te incomoda?
VV: Eu fico muito feliz em ser reconhecida pelo meu trabalho. E por tudo que venho recebendo, na época que eu era Globeleza e depois que deixei de ser também.
Então é sempre um prazer quando eles vêm pedir para tirar foto, ou me reconhecem na Rua, me dedicam palavras carinhosas.
Não me incomoda, porque são sempre muito respeitosos comigo. Nunca vivi uma situação embaraçosa, são sempre muito queridos.
Se estou num restaurante, por exemplo, eles esperam para pedir... então, até hoje não tive nenhuma situação ruim com fã.
AT: Do que você mais gosta no Carnaval?
VV: O espetáculo dos desfiles das escolas de samba e toda a manifestação cultural em si que é o carnaval.
Como Globeleza, eu conheci muita gente do carnaval e, há pouco tempo, fui musa de um camarote na Sapucaí, o que me deu a oportunidade de ver o quanto o carnaval cresceu e virou uma empresa que gera muitos empregos para tanta gente. Além da alegria que nos traz,
AT: Qual o significado da mulher no Carnaval de hoje
VV: Já tivemos alguns avanços. Hoje existe um respeito maior à mulher do carnaval.
Existe um empoderamento maior e as mulheres do carnaval vem levantando pautas importantes, que precisam mesmo ser discutidas pela nossa sociedade.
Mas creio que precisamos lutar dia após dia, pois ainda temos um longo caminho pela frente.