Assinante
Explico.
Chupei o título deste artigo da esplêndida biografia de Zózimo Barroso do Amaral, publicada pelo colega Joaquim Ferreira dos Santos, que costumo chamar de The Best. Zózimo gostava tanto da frase que virou título do livro.
Paul Frederic Simon, o nosso Paul Simon, fez 82 anos nesta sexta-feira (13). Passou o dia com a mulher e os três filhos, consultando a sua agenda de shows que ele mantém intimista, pequena, justa, compacta, artesanal.
Paul Simon havia anunciado a sua aposentadoria em 2022 e uma das razões foi o fato de estar praticamente surdo do ouvido esquerdo.
O “problema” entre aspas (e ele sabia disso) é que uma pessoa pode se aposentar, mas não vai conseguir jamais fazer cessar os surtos e impulsos de criatividade em constante erupção.
Não deu outra. Ele começou a sonhar com músicas, letras, temas. Como se os deuses da Criação passassem a noite cutucando, “levanta, Paul!”, “escreva sobre isso, Paul”, “componha, Paul!”. E foi com enorme e confessado prazer que Paul Simon voltou a cena.
Ou seja, o ser humano não consegue aposentar o talento. “Eu estava ficando deprimido”, disse Simon porque, no fundo, lá no fundo, muita gente associa o que faz a sua razão de viver.
Muitos pensam e não falam (pode magoar familiares, amigos), outros escancaram. Caso do lendário jornalista Samuel Wainer que mandou chumbo, batizou a sua autobiografia de “Minha Razão de Viver” e ponto.
Tenho conhecidos e amigos que, aposentados, são felizes como os rios e os bandos de pardais de Belchior, passam os dias sem fazer absolutamente nada.
Um deles, cheio de netos pendurados no pescoço, foi franco: “meu amigo, desde o meu primeiro dia de trabalho eu só pensava em minha aposentadoria, como aqueles presidiários que marcam com um X na parede cada dia que passa. Tanto que não fiquei, sequer, um minuto a mais no emprego quando me liberaram. Mas, francamente falando, eu detestava o que fazia, estava lá para me sustentar.”
Paul Simon desaposentou sem grandes alaridos. Pegou o violão que usa para gravar desde 1970, quando lançou o último disco de estúdio com Art Garfunkel, “Bridge over Troubled Water”, e entrou num estúdio de Manhattan.
Os sonhos se tornaram notas, acordes, poemas. O resultado final está no álbum “Seven Psalms” (“Sete Salmos”), disponível no YouTube, Spotify, Amazon Music, etc, e, numa varada só, sem interrupções, Paul Simon despeja 32 minutos e dois segundos de música sem escalas. O som do violão (como ele consegue aquele som?), a voz, as outras vozes, os sutis efeitos especiais, “Seven Palms” é uma imersão rara, genial que, sim, nos leva as lágrimas quando podemos ficar sossegados, deitados, meia luz, ouvindo a peça inteira sem ninguém (ou nada) enchendo o saco.
Acho que todos nós merecemos 32 minutos e dois segundos de sossego sorvendo o mergulho interior abissal que um dos maiores compositores de todos os tempos nos proporciona.
Os grandes olheiros da música, em gritante extinção, sacaram o talento de Simon & Garfunkel ainda nos anos 1950, quando se chamavam Tom & Jerry. Em meados dos anos 1960, Clive Davis, executivo da extinta CBS Records, começou a acompanhar a dupla e, impressionado com o talento dos dois e com a potência de Simon na composição, viajou para Monterey em 1967 com a mala cheia de contratos em branco.
No festival Monterey Pop, numa varada só, Davis contratou Simon & Garfunkel, Janis Joplin, e outros.
A história conta que nos anos 1960 e 70, Simon & Garfunkel chegaram no topo do Kilimanjaro do mercado. No Brasil, emplacaram vários sucessos e no resto do mundo foi uma explosão avassaladora.
Época em que o mercado musical continha música. Hoje, os Top 10 da vida se destacam pelo som dos computadores e arrotos e golfadas isolados de um ou outro ser humano. No meio dessa brochante pororoca reside a coragem de Paul Simon e de outros compositores e intérpretes que acreditam na magia desse fenômeno chamado música.
Em outras palavras (ou será em todas as palavras?), ouvir “Seven Palms”, de Paul Simon, é uma benção.
Amém!