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Dia dos Namorados
Dia dos Namorados
Foto do autor Luiz Antonio Mello Luiz Antonio Mello
Por: Luiz Antonio Mello Data da Publicação: 08 de junho de 2024FacebookTwitterInstagram

Comia uma empada de galinha caipira num bar na rua do Ouvidor, Centro do Rio, perto de um lugar onde Olavo Bilac também degustava empadas caipiras e urbanas, numa manhã de quarta-feira quando parou um caminhão que trazia no para-choques uma frase simples e genial, algo como “na estrada da vida, passado é contramão”, é isso ou mais ou menos isso, mas a vida é como um texto sem ponto, sem parágrafos, expresso a 220 por hora, só vírgulas, um pouco de ar, na base do ir em frente, pensando, pensando, passei a semana pensando num monte de coisas, pensei em um artigo que escrevi para um jornal norte americano no já longínquo 2014 que, por vacilo meu, não saiu assinado, na carta de um leitor que me esculhambou por causa de uma crônica sobre mulheres gostosas, quando o personagem bate com o carro contemplando uma mulher gostosa na calçada, e eu acabei ficando meio sem saber o que escrever, mas depois constatei, relendo o que havia escrito, que o tal leitor não entendeu, confundiu homenagem com ofensa, a tal vagabundagem que me falta para acender a fogueira de um amor impossível que surge no alto de uma montanha, fazendo pé pé com a lua e brincando de trapezista com o arco-íris, mas peraí, por que todo amor impossível precisa ser adolescente, nos faz sentir como meninos soltando pipa no alto de uma pedreira que ainda existe atrás de um prédio onde passei parte de minha pós-adolescência soltando foguetes, matando aula, sob o deleite do onamismo, alimentando amores impossíveis, como o que tive com uma estação de rádio, que de musa acabou virando livro e filmes, cujas últimas linhas começo a escrever em suas prováveis 974 páginas que deverei lançar em 2025, em turnê nacional matando a saudade dos aviões que eventualmente foram a minha segunda casa para depois investir na minha rádio Rádio LAM, www.radiolam.com.br, voltar ao Protools, criar um megasite já que a saudade é um sentimento completamente inútil a ponto de eu não reconhecer a supremacia dos anos 1960, muito menos dos 70, dos 80, necessitando acreditar, em nome da sobrevivência, que a melhor década é a que estou, o melhor momento é o agora, que não é mais agora porque quando este texto for publicado essas palavras chamadas de originais já terão ido morar no arquivo vivo de minhas dezenas de milhares de textos, mas admito aqui, no escurinho público dessa quitinete de neurônios, que estou com saudade de Carl Gustav Jung, sonhos, arquétipos flutuando, amontoados em 52 anos de escrita profissional, dedicada, obsessiva, que, quem sabe, vão viver em Aracaju, canção de Caetano Veloso, “ser feliz/o melhor lugar é ser feliz”, ah, essa música está impregnada em minhas veias abertas, minha cidade, cidade-calamidade para quem quer jantar com uma amiga sem ser chamado de amante, mas ao mesmo tempo cidade-útero, morna, molhada, que nos recebe aberta nas madrugadas quando cruzamos a baía sob chuva fina, ou sob neblina, ou sob o torpor da cafeína de um botequim próximo à estação das barcas, acompanhado de divagações afetivas, mulheres de sonhos e valsas, verso e prosa, tendo ao fundo o uivo cansado dos miseráveis que se embolam nos jornais para escapar do açoite do frio, ou da fome, ou da polícia, ou dos políticos, ou da música que Egberto Gismonti ainda não compôs sobre um pôr-do-sol em Londres, onde penso viver, encontrar amigos e conversar sobre cultura e sardinhas, fish and chips, pensar um pouco mais sobre o próximo semestre, na dieta prometida, na possibilidade de receber um e-mail da mulher de meus sonhos dizendo que a vida faz menos sentido sem mim, essas coisas que a gente gosta de ouvir quando deita no sofá e bota um DVD com um filme de Buñuel, que pode lembrar a canção que me vem as vísceras lá de 1971, Jards Macalé, “estou cansado/e você também/ vou sair sem abrir a porta/e não voltar nunca mais/ desculpe a paz que lhe roubei/ e o futuro esperado que não dei/é impossível pensar/ num barco sem temporais/ e suportar a vida como um momento além do cais” e, por sorte, quebrei esse disco em questão de horas porque não tenho vocação para o masoquismo, daí a minha paixão pela bossa nova, pela magia do céu, sol, sul, e não o samba-canção martírio, daqueles que chamam a lua de luz de mercúrio e nos fazem roer meio fio quando sentimos que nosso texto num jornal não está sendo bem revisado, ou sequer assinado, mas, pensando bem, o editor tem mais o que fazer, o que não vale é acharem que estou tristinho, magoadinho, quando na verdade estou cansado porque são três da manhã, o fogo não para de subir e o principal recado na caixa postal do meu celular diz apenas “durma em paz”,  ou foi impressão minha, não sei bem, dizem que comer muito camarão a noite faz mal a alma, mas o recado estava lá na voz da mulher dos meus sonhos, provavelmente telefonando do futuro,  de um orelhão primitivo, olha, garota, eu não quero saber por onde deitas, mas confesso que a possibilidade do recado ser verdadeiro faz um bem danado, como o dia em que Peggy Sue voltou à tona depois de passar dias submersa nos anos 1960...ah, esse Coppola é tão genial que faz um Cadillac chorar sem sentir dor, ou alguém não notou que em “Apocalypse Now” a música do Doors, chamada The End, foi infernalmente bem inserida na abertura do filme, eu sei, teria que colocar um ponto de interrogação, mas o cansaço me fez escrever este texto sem pontos e sem parágrafos pois dizem que é uma boa maneira de conversarmos um pouco com nossos xamãs, ou com “As Valquírias” de Paulo Coelho, que quero conhecer pessoalmente, mas as pessoas só pensam nos dólares que Paulo Coelho está ganhando, merecidamente, por ter despertado milhões de pessoas para coisas mais interessantes do que forninho de micro-ondas, IGP-M, Fipe, a inqualificável e desprezível Dilma, esse macabro parque de diversões chamado macro economia que provoca sucessivos e generalizados rompantes na classe média do Brasil, onde os casamentos desabam e renascem como frutos do mar, o que é bom, é muito bom, já que aprecio a velocidade emocional da classe média brasileira e seus Porsches 917 afetivos entrando no Arpoador a 430 por hora, como um bando de desdentados a caça de um protético capaz de reduzir a dor em pelo menos 20%, ou a manada de executivos de marketing, chamados à última hora para tentar salvar Titanics depois das varadas nos icebergs da incompetência, o flagelo do terceiro mundo, parceria incansável da corrupção, da propina que assola o país desde sempre, crucificando temporariamente uma meia dúzia para saciar a turma do pão e do circo, é fogo, não é mole, e o pior é que quando terminarem de auditar o Brasil o berço esplêndido vai ficar mais deserto do que ilhas virgens em dia de finados, chovendo e com ressaca, porque como cantou um dia David Bowie “this is not America”, numa boa, sem preconceito, mas this is not America, mas não é mesmo, tanto que nem a inflação razoavelmente estável provoca o mínimo de otimismo, provavelmente por causa da porção Dom João Sexto em nosso sangue, suor e lágrimas, aquela ala que gosta de gemer, reclamar, expulsar, discriminar, enfim, eu tenho uma amiga que é escort woman e me escreveu um e-mail da Indonési onde os brasileiros são perseguidos como judeus na Alemanha de 1940, e tudo mais que acomete o emocional de um perseguido que, como eu, que amava os Beatles e os Rolling Stones, acreditava em Papai Noel e nessa coisa de irmandade entre os povos, a ponto de me preocupar pois rapidamente respondi o e-mail sugerindo que ela não julgasse povos, mas governos, não julgasse indivíduos, mas corriolas e assim por diante já que da mesma forma que em Detroit (EUA) nos anos 1980, estavam matando japonês a pauladas, tenho receio que comece a rolar esse clima contra outros povos aqui no Brasil, o que não é bom para ninguém, pois de médico, português e louco, todos nós temos um pouco, da mesma forma que o amor impossível pode parecer impossível eternamente quando não buscamos soluções alternativas, quando uma estrada está inundada e ficamos parados xingando o ar, já que há sempre uma trilha, um atalho, uma picada quando queremos mesmo chegar a algum lugar, mesmo que esse lugar seja o lugar nenhum, mesmo que chova açoites, pois somente algumas coisas não tem solução, entre elas o fim do papel, madrugada quente, fria, morna, um homem está diante de seu vulcão interior e tenta decifrar a lava, angústia. êxtase, sem pausa, sem trégua, não há bandeira branca no embate entre o homem, o vulcão e o papel, feito refém e ponto de partida para um monólogo urbano, que segue, não para, não para, não para, coitos ininterruptos no Dia dos Namorados.
 

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