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Raquel Morais
I have a dream. Black Lives Matter. A primeira frase ficou mundialmente conhecida após discurso anti racista do ativista Martin Luther King em 1963. A segunda faz parte de um manifesto contra o racismo iniciado em 2013 após a absolvição do assassino do adolescente negro Trayvon Martin. Além de terem um Martin em comum, ambas marcam a história na luta contra o racismo em todo o mundo e deveriam ser lembradas todos os dias, e não só no Dia da Consciência Negra celebrado na sexta-feira (20).
Milhares de negros diariamente sofrem discriminação apenas pela cor de seus corpos. Como disse Martin Luter King Eu tenho um sonho, na tradução livre, muitos negros têm esse mesmo sonho de igualdade entre as raças. Mais recente o manifesto também rodou o mundo com a frase Vidas Negras Importam como forma de protesto pela morte do jovem Martin. Após 50 anos o outro Martin fez a população pensar na luta contra o racismo.
A psicóloga Roberta Massot, 35 anos, lembra das vezes que passou por episódios preconceituosos, principalmente na infância. E até a psicóloga precisa de terapia, que hoje é uma aliada para tratar essas questões. Eu já alisei o cabelo muitas vezes e nunca me admirei. A terapia está me ajudando a assumir minhas raízes e esse processo de desconstrução é muito difícil. Quando eu era criança uma vez me pediram um pedaço do meu cabelo para limpar panela. Hoje eu sei que não tem cabelo bom e nem cabelo ruim. Existem diferentes tipos de cabelos e o cabelo crespo não é ruim. Eu estou quebrando esses padrões sociais e comecei a me enxergar como um ser lindo que eu sou. Eu já aceitei a minha própria cor e como psicóloga eu recomendo a terapia, que ensina a lidar com essas questões da aceitação, explicou.
E quando o preconceito racial acontece de um aluno para o professor? O professor José Nilton Júnior passou por isso em julho e julho desse ano quando foi vítima de racismo através da internet. Ele foi chamado de macaco por dois alunos e na outra ocasião, durante uma aula online, foi chamado novamente de macaco e gorila. Hoje analisando a situação eu acho que esses episódios me fortaleceram. Tudo isso me encorajou para um trabalho cada vez mais urgente na nossa sociedade e em todos os lugares. Acho que temos ampliado a fala e a reflexão sobre o racismo. E outras pessoas têm se tornado sensíveis a essa causa e ingressado nessa luta. Essa luta deve ser de todos nós! Essa situação em uma escola particular da Zona Sul de Niterói permitiu a criação de uma comissão de relações étnicas raciais. Isso contribui para a valorização da diversidade étnico-racial e de combate ao racismo, explicou o também mestre em História da África pela Universidade Federal do Rio De Janeiro (UFRJ).
O mestre em Cultura e Territorialidades pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Guilherme Santos de 32 anos, explicou que o racismo existe, de fato, e ainda existe um longo caminho a ser percorrido para que isso venha um dia a acabar. Não é uma tarefa fácil combatê-lo, porém tem de ser feito. As lutas são diárias e com proporções diferentes: podemos e devemos combater o racismo onde for necessário e preciso. Por vezes achamos que pequenas vitórias não mudam o panorama como um todo. Por vezes apontar o racismo em uma piada de um amigo, na fala de alguém em meio a uma roda de amigos, em palavras que são racistas mas estão enraizadas em nosso vocabulário. Um dos modos para combater o racismo é conhecendo nossa história, sabendo de onde viemos e de nossa descendência. Nossa autoestima também é uma arma importante, frisou.
O especialista ainda reforçou a importância do entendimento sobre privilégios e oportunidades. Um dos modos mais eficazes para chegarmos mais perto ainda do fim desse mal que vivemos é a conscientização da sociedade quanto a privilégios e oportunidades. Aquele que detém privilégio quando o reconhece e entende o que aquilo significa e o que pode causar ajuda bastante, pontuou.
O advogado Thiago Migliavacca pontuou que muitas pessoas acham que o crime de racismo e injúria racial são a mesma coisa e, juridicamente, são crimes diferentes. O crime de racismo é definido na Lei 7.716 de 1989 tem pena prevista de um a três anos de reclusão e multa. Esse crime de racismo acontece quando as ofensas proferidas atingem uma coletividade, ou seja, um número indeterminado de pessoas, em relação a sua etnia, raça, origem ou religião. Não é um crime praticado contra uma pessoa específica, mas sim uma coletividade, não sendo possível saber o número de pessoas atingidas pela ofensa, explicou.
Já a injúria racial não está prevista na Lei 7.716/89, mas sim no Código Penal Brasileiro, no artigo 140, parágrafo 3. Nesse caso, o autor atinge uma pessoa determinada, proferindo ofensas em relação a sua raça, etnia, cor, religião, condição de pessoa idosa ou portador de deficiência. Esse crime, quando praticado, é inafiançável, orientou. A pena prevista para esse crime é de detenção de 1 a 6 meses ou multa. Nesse caso, é possível a estipulação de fiança.
ENTENDA A DATA
Segundo o portal Brasil Escola, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, foi instituído oficialmente pela lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. A data faz referência à morte de Zumbi, o então líder do Quilombo dos Palmares situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na região Nordeste do Brasil. Zumbi foi morto em 1695, na referida data, por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho. A data de sua morte, descoberta por historiadores no início da década de 1970, motivou membros do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial, em um congresso realizado em 1978, no contexto da Ditadura Militar Brasileira, a elegerem a figura de Zumbi como um símbolo da luta e resistência dos negros escravizados no Brasil, bem como da luta por direitos que seus descendentes reivindicam.