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No começo dos anos 1970, pelo menos 150 mil pessoas atravessavam a Baía de Guanabara para trabalhar, estudar, se divertir, namorar.
A ponte Rio-Niterói não existia, e cada barca (que os paulistas chamam de balsa) transportava duas mil pessoas.
Nos horários de pico (entre 5h30 e 9h da manhã e entre 17h e 20h), o movimento era intenso na estação da Praça Arariboia, onde as embarcações atracavam uma seguida da outra, por isso as filas não paravam. A viagem durava em torno de 25 minutos.
As barcas interferiam diretamente no cotidiano de Niterói.
Havia uma característica comum entre os passageiros: todos faziam a travessia lendo jornais, revistas, livros, fazendo palavras cruzadas, o que incrementou muito o comércio de publicações que eram vendidas nas grandes bancas situadas próximas as roletas de acesso a estação.
Estimava-se, na época, que eram vendidas, pelo menos 100 mil publicações por dia, desde jornais locais até livros sofisticados de capa dura que eram vendidos nas bancas, a partir de 4h30 da manhã quando os caminhões entregavam o material impresso.
Inclusive, especialistas afirmam que as barcas formaram milhares de leitores porque, para fugir do tédio diário da travessia, a melhor opção era ler alguma coisa.
Ou puxar conversa com outro passageiro, ou passageira. Dessas travessias nasceram milhares de namoros que terminaram em casamentos e, também, romances relâmpagos.
Nos horários de menos movimento, alguns casais furtivos namoravam na popa da embarcação, onde ficava a bandeira do Brasil.
Curioso, mas havia uma diferença entre os passageiros do andar de baixo e o de cima das barcas.
No de baixo, viajavam os que tinham pressa, pouca paciência, mais da metade homens. Assim que a barca encostava, eles pulavam na ponte da estação.
Já no andar de cima, viajavam mulheres elegantes que, evidentemente, atraiam os “gaviões do mar”, homens que tentavam seduzir as damas.
Já a proa da barca, naquela época (mais tarde foi proibido), era ocupada pela “geral”.
Muitos ficavam por ali, em pé, jogando porrinha, outros sentados nas bordas com as pernas balançando. E quando a barca estava se aproximando da ponte de atracação, alguns saltavam antes, não conseguiam chegar do outro lado e caiam no mar, junto as estruturas de madeira do cais. No máximo, escoriações leves e o vexame na hora do resgate.
As barcas Rio-Niterói eram uma espécie de república independente e democrática onde ninguém perturbava a vida alheia. Eram 20 minutos de sossego, dizem antigos frequentadores.