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Começo identificando a foto que ilustra esta coluna. Foi feita em 26 de fevereiro de 1982, três dias antes da Rádio Fluminense FM entrar no ar. É o time de locutoras que estreou a rádio.
⁹Da esquerda para a direita: Monika Venerabille, Edna Mayo, Liliane Yusim, Cristina Carvalho, Selma Boiron e Selma Vieira. Elas fizeram história, foram as primeiras a ocupar`as ondas do rádio, até então machista e fechado para as mulheres.
Terça-feira estive no Sesc de Niterói onde participei de um debate com a Tetê Mattos, diretora do documentário em longa-metragem “A Maldita” que conta detalhadamente a história da Rádio Fluminense FM. O início, o fim, o meio, diria Raul Seixas.
Revendo o filme, acabei abduzido pelo imã da saudade e fui parar lá em 1982.
Imagens e sons de Niterói, das barcas, dos carros, do céu, das pessoas, ah, as pessoas, da rádio, alegria, euforia, esperança, parasita...tudo ali na telona, na minha cara. Os nossos sonhos. Os meus sonhos.
Nesta terça-feira (dia 3), a ficção “Aumenta que é Rock and Roll”, baseada em meu livro “A Onda Maldita – como nasceu a Fluminense FM”, vai passar da Rede Globo aberta, depois de “Estrela da Casa”.
O filme foi editado em quatro capítulos que serão exibidos em quatro semanas.
O título deste artigo não faz o menor sentido porque saudade, penso, não tem lógica nenhuma. Pode ter motivo, mas lógica? Saudade é um direito.
Podemos sentir saudade até de nós mesmos, como tenho eventualmente sentido assistindo a esses filmes e pensando naquela época quando sequer imaginava o gigantismo daquilo tudo.
Foi a saudade que me fez resgatar essa quase crônica aqui na minha gaveta.
Há dias precisei ir ao miolo do Centro de Niterói onde os ecos de uma parte de minha história reverberam nos rebocos rachados e cheios de limo de casas, ou quase casarões e sobrados que estão preservados por uma razão não muito digna.
Estão abandonados. Desde sempre. Sempre que vejo casas abandonas lembro de “Largado no Mundo”, blues de Cazuza e Frejat que o Barão gravou. “Largado no mundo/ eu vivo largado no mundo/ largado no mundo/ e nessa trip eu vou fundo”
Comecei a trabalhar naquela região. Naquela região nasceu a Rádio Fluminense FM.
Eu estava de bicicleta, há tempos o meu meio de transporte. O miolo do Centro de Niterói, - vou tentar explicar – são aquelas quadras onde ficam ruas como Visconde de Itaboraí, Visconde do Uruguai, Marques de Caxias, Saldanha Marinho. Podemos dizer que o epicentro do miolo é o Jardim São João.
As casas largadas, casas que um dia, em algum século que já voou, podem ter sido alegres como os galos, as noites e os quintais. Caramba, como gosto do Belchior.
Pedalei a Visconde de Uruguai, entrei na São João, parei, amarrei a bicicleta num poste na beirada do Jardim São João para ir a uma reunião e um cara me chamou.
Não o conhecia. Ele disse “numa ótica que fica ali tem lente Kodak, anti-reflexo por R$ 750,00. Mais óculos reserva por R$ 300,00”.
Perguntei “como é que você sabe que estou precisando trocar de óculos?”, e o cara "você parecia um morcego no sol do meio dia ziguezagueando entre os ônibus na bicicleta e quando parou tirou os óculos, limpou, como se fosse resolver”.
“Semana que vem eu volto”, tentei cortar. Ele rebateu, “semana que vem vou estar de férias. Fala com o meu patrão, aquele magrinho ali abaixado atrás da porta. Todo dia a essa hora ele sai para visitar uma moça num casarão antigo ali na frente...”. Cortei. “Que casarão?”.
Ele explicou, fui lá ver. Vi o casarão, o magrinho, a moça bonita, havia um bentevi num arremedo de árvore, voltei, fui a ótica no final de um corredor sinistro num prédio mais sinistro ainda, não fechei negócio.
Peguei a bicicleta, pedalei mais pelo miolo do Centro, o sol já tinha viajado para o Japão.
Só umas poucas casas com as luzes acesas. A maioria virou comércio popular. A noite o Centro fica deserto. E triste. E melancólico. E abandonado.
Como me senti lá nos anos 1970, quando terminou “A Lira do Delírio” no cinema Central.
Não disse? Saudade não tem lógica. Alguns textos também não.