Assinante
Senti as gotas roçarem a janela, temperatura de 26 graus. Chuva. Saí para pensar, pensar, pensar. Pensar em soluções, saídas, ou na possibilidade de não haver solução nenhuma diante de problemas amplificados pela aflição e pela angústia. Pensar com realismo em minha provável e acachapante desimportância social, funcional, existencial, afetiva.
Um bentevi resolvia a sua aflição imediata bebendo água numa poça. Simples. Quer dizer, simples para quem assiste. A grande vitória para o bentevi é voar vivo, pousar vivo numa árvore próxima, saltar vivo para os fios de um poste, pousar vivo na poça. Vivo, beber a água num ambiente hostil. Vivo, ignorar a desimportância e, como sabiás, anunciar a primavera.
A desimportância sugere que muitas das normas e expectativas sociais são superficiais. Essa percepção permite que o indivíduo se liberte das pressões externas, incentivando uma vida mais autêntica, onde as escolhas são feitas com base no que realmente importa para si, e não no que a sociedade dita.
Albert Camus fala do "absurdo" da vida, a ideia de que a busca por significado em um mundo indiferente pode parecer fútil. Aceitar a desimportância é reconhecer que, apesar de nossas lutas e preocupações, a vida pode ser vivida plenamente, mesmo sem um propósito maior.
A desimportância implica que, ao abandonar a busca por validação externa, somos responsáveis por nossas próprias decisões e ações. Isso traz uma nova dimensão à liberdade, pois nos confronta com a necessidade de escolher e agir de maneira consciente.
No existencialismo, há um convite a viver o presente, a abraçar cada momento como único. A desimportância nos ajuda a focar nas pequenas alegrias e experiências cotidianas, ao invés de nos preocuparmos excessivamente com o futuro ou com o que os outros pensam.
Em resumo, a desimportância, sob a luz do existencialismo, é uma forma de libertação. Ao desconstruir o que a sociedade considera importante, abrimos espaço para uma vida mais autêntica, onde a busca por significado é individual e profundamente pessoal.
Já fui existencialista. Voltarei a ser.
Chuva, calma que parece reinar na cidade, protegida da falsa e histérica euforia do verão e seus moedores de carne midiáticos.
Caminhei pelo bairro que, raro, estava sereno e vazio. Mas que permanece sob o jugo das motocicletas sem silenciosos, faróis e placas, cuspindo na cara da polícia que nada faz. Nada faz porque...não sei. A quem interessa a decadência de uma cidade?
Senti a quase garoa cair sobre a cidade, que repousava. Poucos carros, ônibus, ciclistas, pessoas nas calçadas; os bares relativamente vazios com uma meia dúzia bebendo cerveja e assistindo futebol na TV. Calma, dopada.
É esse o dom da chuva. Calma. Apesar de já ter gente sadomasoquista reclamando da ausência do calorão.
Voltei a pensar em soluções, saídas, ou na possibilidade de não haver solução nenhuma diante de problemas amplificados pela aflição de quem procura viver intensamente. O drama do lenhador de bonsai diante da gigantesca sequoia. Lembrei de um episódio que não era para ser lembrado depois de tantos de hipnose, tratamento cognitivo comportamental e o escambau.
Quando A TRIBUNA publicou a matéria do desembarque dos fascistas de São Gonçalo na política de Niterói lembrei do meu sequestro em 2005, sete horas de horror que terminaram no brejo de um lugar chamado Jardim Catarina, em São Gonçalo, para onde fui levado no porta malas de um Chevrolet. Um táxi falso do Rio. Só duas pessoas souberam: Ricardo Boechat, que me salvou e meu pai que me acolheu. E não falo mais nisso.
Seguir caminhando, por dentro da chuva, é um bom paliativo não alcoólico. Dizem.