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Nos anos 80 éramos analógicos e libertários
Nos anos 80 éramos analógicos e libertários
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Por: LAM Data da Publicação: 04 de maio de 2024FacebookTwitterInstagram

                                                                                  Prólogo       

                                            Melhor a burrice natural do que a inteligência artificial.

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O sucesso explosivo do filme “Aumenta que é Rock ’n’ Roll” em todo o país, claro, tem a seu favor a força da Rádio Fluminense FM, a Maldita, que se tornou uma entidade mítica, com inexplicável sucesso 42 anos depois de ter nascido.

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O filme só veio ao mundo graças ao talento e coragem da produtora Renata Almeida Magalhaes e a genialidade do diretor Tomás Portella, que soube jogar na tela as doses industriais de emoções, caos e fantasia que impulsionaram a Maldita.  

Como pode uma micro rádio, situada em frente a rodoviária de Niterói, despida de alta tecnologia ter feito tanto, por tanto tempo, a ponto de lotar cinemas de pessoas (maioria) que sequer tinham nascido quando ela surgiu.

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Mais: A Fluminense FM foi o megafone da geração da década encantada, os anos 1980, quando as pessoas, as cidades, os estados, os países, rompiam as algemas e ganhavam as ruas, a vida. 

Um leitor do Facebook pediu que eu escrevesse um pouco sobre características que diferenciam os 80.

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Eu ia arremeter, mas topei porque minhas lembranças não me deram sossego até eu sentar e começar a escrever.

Não tenho nada contra a tecnologia, apenas estou de saco cheio do abuso.

Chato pra cacete ter que marcar qualquer coisa sendo obrigado a usar o whatsapp demorando três horas pra resolver, lidar com inteligência artificial que é mais burra do que a anta do apocalipse, etc.

Cortar gente e arrepiar nos lucros é a ordem. Que rolem cabeças e muito dinheiro fácil.

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Nos anos 1980 éramos todos analógicos. Em 1982 habitávamos um outro planeta, uma outra civilização. 

Afeto analógico, emoções analógicas, pessoas transparentes, francas, sem automação, sem corações de silício. 

Víamos as pessoas, olho no olho, ouvíamos as vozes no telefone. 

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Por exemplo, agora escrevo num computador, tudo limpinho, o som corretinho, sem o tec tec tec descacetado das máquinas Remingtons e Olivettis da vida, terror da vizinhança quando escrevíamos de madrugada.

Não tenho saudade daquelas máquinas porque embolavam a fita de tinta, enroscavam o papel, maior aporrinhação.

Mas foram elas que revelaram a melhor era da Literatura e do Jornalismo, nomes que estão gravados na memória da Civilização, enquanto houver Civilização que vive uma espécie de outlet, chamada de liquidação, nos anos 80.

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Levaram até Paul Auster. Putz.

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A primeira vez que ouvi falar em silício foi no colégio. 

Fui obrigado a decorar que “silício tem símbolo Si, de número atômico 14 (14 prótons e 14 elétrons) com massa atômica igual a 28 u. À temperatura ambiente, o silício encontra-se no estado sólido. Foi descoberto pelo químico sueco Jöns Jacob Berzelius, em 1823.”

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O silício é a matéria prima dos chips dos computadores que, em menos de 10 anos, golpearam mortalmente o mundo analógico criando uma outra civilização, cujas características principais são a futilidade, egolatria, clonagem, frigidez social e doses industriais de ignorância ampla, geral, irrestrita.

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Um dos símbolos de Boçalópolis, cria do silício, é aquela caixa de som vomitando coliformes fecais que seus proprietários chamam de música, abafando o som do mar nas praias. 

Outro símbolo são os influencers, mamíferos idolatrados pelos imbecilers.

Nos anos 1980, do “Aumenta que é rock and roll”, as rádios eram alimentadas por válvulas transistores, fitas magnéticas. O tempo todo havia contato, toque, ações integradas, imperfeições.

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Amo as imperfeições porque são a trilha da genialidade. 

Jimi Hendrix não seria Jimi Hendrix sem as imperfeições da sua guitarra, como a Capitu de Machado não teria vindo ao mundo com saia plissada, milimetricamente passada pelo ferro de carvão (com duplo sentido), como a moça da embalagem antiga do Leite Moça que alimentava a libido dos adolescentes que queriam saber o que havia de gostoso por trás da perfeição da moça.

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No mundo digital, o contato é zero, não há superfície tocando outra superfície, uma característica que parece ter contaminado o comportamento das pessoas. 

Não vemos ninguém se tocando, se roçando nas ruas porque virou crime. Livres? Só os moradores de rua.

Nos anos 80, se um sujeito subisse com a moto numa calçada seria detido, multado. Moto sem silencioso dava reboque, em muitos casos a carteira de motorista era cassada. 

Atualmente, fazem o que querem, sobem em calçadas, passam por cima de velhinhos, bebês, cachorros porque sabem que nada vai acontecer.

Isso sem falarmos das motos sem silenciosos detonando a saúde da população. 

Inverteram as leis.

Boçalópolis diz que a culpa é da polícia, que culpa o Detran, no final ninguém faz nada e a baderna continua.

Será que o Ministério Público do Estado do Rio pode fazer algo em defesa da saúde da população, torturada por esse inferno?

Os agentes do estado (com E minúsculo) parecem indolentes. 

É comum nas cidades vermos guardas de trânsito as gargalhadas no whatsapp de seus celulares e o trânsito um caos.

Vídeo do YouTube não encontrado ou URL inválida.

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Um dos erros mais graves da legislação foi tirar a Polícia Militar do controle e ordenação do trânsito, como era no mundo analógico. Por que? Porque trânsito é caso de polícia e os PMs impunham mais respeito.

No quesito música, eis algumas mais tocadas nos EUA em 1982, segundo a Billboard, bíblia do mercado: "I Love Rock 'n Roll", Joan Jett & The Blackhearts; "Ebony and Ivory", Paul McCartney and Stevie Wonder; "Centerfold", The J. Geils Band; "Don't You Want Me", The Human League; "Jack & Diane"; Abracadabra", Steve Miller Band; “Hard to Say I'm Sorry", Chicago.

Aqui, as mais tocadas no Spotify Brasil neste 2024, verdadeiros estrumes sonoros : Zé Neto e Cristiano - Barulho do Foguete; Maiara & Maraisa - Relógio de Saudade; Murilo Huff - Dedo do Meio; 7 -Matheus & Kauan - Não Recomendo.

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Nos anos 1980, os motéis viviam o seu apogeu, recebendo seus furtivos (e muitas vezes proibidos) clientes discretamente. 

A música dos motéis, mesmo os mais luxuosos, era meio abafada, parecia som de rádio de pilha, mas era uma delícia. 

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Músicas românticas, muitas até cafonas (e daí?) que naqueles momentos, nos lençóis da cama, tocando baixinho, comoviam. 

Lembro bem do francês Adamo cantando “F Comme Femme”, do 10 cc com “I’m not in love, “Sailing”, com Christopher Cross. 

Não havia silício naquele cafofo meio escuro, espelho no teto, as vezes com cama redonda, cafezinho e Serenata de Amor ou Sonho de Valsa na saída. 

Os casais (ou sabe-se lá o que) analógicos deitavam e rolavam (literalmente) dizendo coisas que depois eram esquecidas, talvez pelos vapores da libido embebida em uísque ou campari (variava de acordo com o orçamento), ou Coca Cola, ou Sonrizal com gelo e limão, como o personagem de “Aumenta que é Rock and Roll”.

No mais… (o espaço acabou).

 

 

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